O 17º Congresso Nacional da ANAMT, realizado em Brasília, debateu na última quinta-feira (17/05) diferentes pontos de vista para a gestão da saúde pública com foco nos trabalhadores. Em um país 80% da população é atendida exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e em que a informalidade do emprego tem se tornado mais comum, o atendimento primário da saúde pública torna-se a principal porta de entrada para trabalhadores acometidos por acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais – mesmo que os mesmos não sejam notificados como tal.
Mestre em Saúde Coletiva pela Unicamp e médico do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), Marco Antônio Gomes Pérez analisou de forma crítica o que ele classificou como uma progressiva retirada de direitos históricos dos trabalhadores – como a Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência e a tentativa de reduzir as Normas Regulamentadoras.
“A quem interessa um trabalhador cada vez mais desprotegido? Fez-se a Reforma Trabalhista sob a justificativa de que ela geraria empregos, o que não aconteceu. Agora vemos o avanço da Reforma da Previdência e a possibilidade de revisão e simplificação das NRs, que deixam a segurança do trabalhador sem um amparo jurídico”, avaliou Marco Antônio, na sessão “Mudanças no Brasil contemporâneo e seus impactos na saúde dos trabalhadores”.
Presente na conferência “Acidentes e Doenças do Trabalho: um Problema Nacional”, a Médica do Trabalho e secretária da Secretaria da Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, mostrou-se aberta à discussão e revisão das Normas Regulamentadoras propostas pelo governo, desde que elas sejam pautados pelo debate técnico.
“Podemos reduzir as normas, mas não podemos expor os trabalhadores a riscos. Precisamos discutir a modernização das normas regulamentadoras de forma técnica para que a desburocratização não reduza a segurança do trabalhador”, apontou a representante do Ministério da Saúde. “Reduzir a segurança do trabalhador seria uma economia burra, já que estaríamos tentando economizar para ter maiores gastos com acidentes de trabalho na Previdência. Por isso, conclamamos os Médicos do Trabalho a integrar essa discussão”.
Mayra também classificou o cenário de acidentes no trabalho no Brasil como uma “desgraça nacional”, reforçando a necessidade de uma atuação mais rígida dos órgãos fiscalizadores. “E não só isso, vivemos em um tempo em que é exigido um ritmo cada vez maior de trabalho, onde os aparelhos de telefonia celular fazem com que o indivíduo leve trabalho para casa”.
O papel do SUS
Ainda durante a conferência, Mayra Pinheiro também defendeu a aproximação com a iniciativa privada como forma de facilitar o acesso à saúde pública. Ela mencionou o exemplo da gestão de João Dória na Prefeitura de São Paulo, quando, em parceria com hospitais privados, forneceu atendimento à população de baixa renda.
“Defendemos o sistema de vouchers em parceria com o sistema privado, o que nos ajuda a gerenciar melhor os recursos do SUS e garantir ao paciente um atendimento mais ágil. O Ministério da Saúde pretende fazer um programa semelhante ao implementado em São Paulo, só que voltado ao Nordeste. O enfoque será no atendimento especializado e cirurgias”, indicou.
Na contramão, o professor do Instituto de Economia da UNICAMP e autor do livro “Crônica de uma Crise Anunciada: Crítica à Economia Política de Lula e Dilma”, Plínio de Arruda Sampaio Jr, criticou uma possível desestruturação do Sistema Único de Saúde.
“Ganha cada vez mais força o discurso de que o SUS é mal gerido, mas não se fala do subfinanciamento do Sistema, que é o seu problema mais grave. Querem agora desmontar o SUS porque a saúde do trabalhador é cada vez menos importante, especialmente com as novas relações de trabalho. Hoje, o subemprego e a informalidade deixam o brasileiro cada vez mais exposto”, analisou Plínio. “Vivemos uma grave crise social e que terá impactos profundos na saúde do trabalhador. A Constituição de 1988 prometeu uma Suécia, mas entregou um Haiti para a grande maioria da população”.
A presidente da ANAMT, Marcia Bandini, comemorou a possibilidade do evento abrir espaço para a fala de correntes antagônicas como forma de apresentar aos Médicos do Trabalho presentes no Congresso diferentes pontos de vista.
“Desde o princípio, a organização do evento comprometeu-se em organizar um evento plural e com amplo espaço para o contraditório, algo cada vez mais difícil no clima político que vivemos”, ressaltou, relembrando também o trabalho da Associação nesse período de mudanças. “A ANAMT tem trabalhado na conscientização da especialidade sobre os impactos que uma possível simplificação das NRs pode causar, até para a nossa empregabilidade. Também nos posicionamentos de forma contrária à Reforma Trabalhista e à Terceirização Irrestrita”.