Como é bem conhecido, o dia 28 de abril tem um significado importante para a causa da Saúde e Segurança no Trabalho no mundo. Com efeito, a partir de 1985, por iniciativa do movimento sindical dos trabalhadores canadenses – e depois mundialmente – celebra-se o “Dia Internacional em Memória das Vítimas dos Acidentes e das Doenças do Trabalho: Relembre os mortos – Lute pelos vivos!”. Por sua vez, desde 2003, na mesma data, a Organização Internacional do Trabalho – OIT promove, também, o “Dia Mundial para a Saúde e Segurança no Trabalho”. No âmbito da OIT, “a celebração do dia consiste em uma campanha anual internacional para promover o trabalho seguro, saudável e decente, que culmina no dia 28 de abril”. No Brasil, ambas as versões do “28 de Abril” são celebradas, quase sempre dando destaque a um tema mais específico,a proposto pelos idealizadores das celebrações, em escala mundial.
Neste ano de 2016, a OIT definiu como tema mundial “O Estresse no Trabalho – Um Desafio Coletivo”, e a divulgação do evento inclui o acesso a um documento-base, de 63 páginas, nos idiomas oficiais da Organização . Muitos eventos em nosso país irão enfocar o tema do “Estresse no Trabalho”, enquanto desafio coletivo.
Por outro lado, o Fórum Sindical e Popular de Minas Gerais e o Fórum Nacional das Centrais em Saúde do Trabalhador, com o apoio de outras entidades estaduais e nacionais, elegeram o desastre ambiental de Mariana – MG, como tema principal das celebrações do “Dia Internacional em Memória das Vítimas dos Acidentes e Doenças do Trabalho” de 2016. Saliente-se que a escolha desse marcante tema amplia, enormemente, o alcance do conceito de “acidente do trabalho” e o de “doença relacionada com o trabalho”, apontando para dimensões jamais abordadas em eventos anteriores. As mensagens dos organizadores e promotores das celebrações desse dia utilizam o correto conceito de “acidente de trabalho ampliado”, e destacam a cruel realidade de que, de uma forma ou de outra, “somos todos atingidos”. Com efeito, os indicadores reunidos pelos organizadores são dramáticos: 16 trabalhadores mortos (12 terceirizados, três de Bento Rodrigues, e um da Samarco); duas crianças mortas; um trabalhador desaparecido; mais de 10 mil postos de trabalho fechados; milhares de agricultores, comerciantes e pescadores sem trabalho; mais de um milhão de pessoas atingidas pelo acidente de trabalho, e destruição da Bacia do Rio Doce! As celebrações incluirão visita ao local da tragédia (26 de abril); a realização do “Seminário Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador e da Trabalhadora: desafios e perspectivas” (27 de abril, em Ouro Preto), e uma Audiência Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que será realizada na cidade de Mariana, no dia 28.
Saliente-se que o “Dia Internacional em Memória das Vítimas dos Acidentes e das Doenças do Trabalho”, em 28 de abril, foi oficializado em nosso país, por meio da Lei no. 11.121, de 25 de maio de 2005.
Aliás, a escolha da data – 28 de abril – foi feita pelo movimento internacional de trabalhadores em função, também, de uma catástrofe de grandes proporções: em 28 de abril de 1969, uma explosão em mina de carvão do estado de West Virgínia, nos EUA, tirou a vida de 78 mineiros. Outras catástrofes ceifadoras de vidas de trabalhadoras e de trabalhadores, não somente naquele país, já haviam deixado os rastro indeléveis da morte em muitos outros dias do ano-calendário, antes de 1969, e depois daquele ano, e, infelizmente, até os dias de hoje.
O rastro do sofrimento, da doença, da incapacidade e da morte tem impactado não apenas pessoas formalmente classificadas como ‘trabalhadoras’, pois, em muitos casos, não há qualquer fronteira entre “trabalhadores”, moradores das comunidades dos entornos, e mesmo populações menos próximas – quiçá mais invisíveis. Numa linguagem preferida por alguns, entre exposições ditas “ocupacionais” e exposições ditas “ambientais”. Aliás, mais do que “exposições”, “danos”, “efeitos” “impactos”, “vítimas” humanas, mais frequentemente entre as pessoas mais vulneráveis… O amianto e os agrotóxicos tipificam essa amplitude e indivisibilidade entre o “ocupacional” e o supostamente “não ocupacional”. Daí a necessidade de corrigir o foco para a perspectiva da Saúde Pública, da Saúde Coletiva, ou das “pessoas” – homens e mulheres de todas as idades!
A Associação Nacional de Medicina do Trabalho – ANAMT, fundada em 1968, não pode se silenciar nos eventos relacionados ao dia 28 de abril – aliás, em nenhum outro dia do ano – posto ser uma entidade associativa no âmbito da Medicina, que tem, estatutariamente, como objetivo primeiro “a defesa da saúde do trabalhador” (Art. 1:4).
Além disto, a ANAMT está comprometida com o Código Internacional de ética dos Profissionais de Saúde no Trabalho, da Comissão Internacional de Saúde no Trabalho (ICOH), o qual salienta que “o propósito da Medicina do Trabalho é servir à proteção e promoção da saúde física, mental e social e ao bem-estar dos trabalhadores, individualmente e coletivamente. O exercício da Medicina do Trabalho deve ser realizado de acordo com os mais elevados padrões profissionais e princípios éticos. Os profissionais de Medicina do Trabalho devem contribuir para a Saúde Ambiental e Comunitária.” Nosso compromisso inclui, também, a clareza de que os “os profissionais de Medicina do Trabalho devem estar conscientes de seu papel na proteção da comunidade e do meio ambiente. Dentro do escopo de sua contribuição à Saúde Pública e à Saúde Ambiental, os profissionais de Medicina do Trabalho devem promover e participar, de forma apropriada, dos processos de identificação, avaliação e informação, desempenhando um papel de orientação e aconselhamento, visando a prevenir os riscos ocupacionais e ambientais decorrentes dos processos de trabalho ou das operações realizadas na empresa”, agrega o Código Internacional de ética.
De acordo com as estatísticas oficiais, disponibilizadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, têm sido registrados, em média, 700 mil acidentes de trabalho por ano, em nosso país, desde 2010. Em 2014 – último dado disponível – foram registrados 704,1 mil, sendo 2.783 mil óbitos e 251,5 mil afastamentos por mais de 15 dias. Do total de 704,1 mil acidentes e doenças do trabalho comunicados ao MTPS em 2014, 68% dos acidentados são homens (478,9 mil), a maior parte na faixa etária de 25 a 29 anos (80,5 mil). Neste mesmo período, 225,2 mil trabalhadoras foram vítimas de acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho, ou, 32% do total, a maioria mulheres com idade entre 30 e 34 anos.
Para além dos dados oficiais da Previdência Social, baseados em população com emprego formal, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativamente a 2013, mostrou que 2,8% das pessoas entrevistadas, com 18 anos de idade ou mais, relataram haver sofrido algum acidente do trabalho, com interrupção temporária de suas atividades profissionais, durante o ano. Com base nessa proporção, os pesquisadores estimaram que o número de acidentes do trabalho em 2013 teria sido de quase cinco milhões.
Apesar da discrepância de dados e de algum otimismo sobre a evolução das estatísticas da Previdência Social, ao longo dos anos, não podemos aceitar – em hipótese alguma – que se perpetuem eventos de acidentes e adoecimentos relacionados com o trabalho, que provoquem a incapacidade, deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores (e outros impactados) e, muito menos, sua morte precoce. Enquanto houver um único trabalhador ou uma única trabalhadora morrendo em decorrência do trabalho, permanecerá nossa indignação, não somente nos dias 28 de abril de cada ano, mas todos os dias que antecedem e que sucedem essa data. “Relembre os mortos – Lute pelos vivos” é o complemento do tema do dia 28 de abril!
Se a perspectiva for a da temática proposta pela OIT – “Estresse laboral – Um desafio coletivo” – o problema tem, aparentemente, configurações menos dramáticas ou fatais. Ledo engano. Nas suas causas, e nas causas das causas, os problemas têm os mesmos determinantes. Segundo o documento oficial da OIT (acima citado), os fatores de risco psicossocial, tais como maior competitividade, elevadas expectativas de lucros e exigências de longas jornadas de trabalho contribuem para um meio ambiente de trabalho cada vez mais estressante.
Além disso, prossegue a OIT, “como consequência da atual recessão econômica que está provocando um processo de mudanças organizacionais e de reestruturação, cada vez mais vertiginoso, os trabalhadores estão experimentando mais precariedade, reduzidas oportunidades de emprego, o temor de perder seu trabalho, demissões maciças, desemprego e uma menor estabilidade financeira, com consequências daninhas para a saúde mental e bem estar”.
Contudo, se por um lado, o lugar de trabalho constitui uma importante fonte de fatores de risco psicossocial, o trabalho pode ser, também, o cenário ideal para abordar esses fatores, e para proteger a saúde e o bem estar dos trabalhadores e das trabalhadoras, através de medidas que possam ter alcance coletivo. Aliás, o mesmo documento da OIT enumera e detalha um conjunto de medidas que poderiam ou deveriam ser desenvolvidas pelas organizações, com o propósito de prevenir o sofrimento no trabalho.
Finalizando, a ANAMT reitera seu compromisso de defender a saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras, antecipando que sua perspectiva de interesse e responsabilidade – dela como entidade associativa, e em nome da Medicina do Trabalho brasileira – vai além dos locais de trabalho, estendendo-se às famílias dos trabalhadores e trabalhadoras, e às comunidades onde eles e elas, além de trabalhar, vivem!
“Em primeiro lugar, as pessoas”, é nossa mensagem final, utilizando as palavras de Amartya Sen (Prêmio Nobel de Economia, 1998) e Bernardo Kliksberg (economista argentino), adotadas como título do livro que escreveram juntos, cujo subtítulo é: “a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado”.
Que assim seja!
Zuher Handar
Presidente da ANAMT (2013-2016)
A versão em pdf do texto está disponível aqui
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