Data: 21 de março
O Rio Grande do Sul é o segundo do ranking de estados brasileiros onde mais acontecem acidentes de trabalho em frigoríficos, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). Em 2013, chegou a encabeçar a lista, somando 2.313 casos. E, apesar de conseguir cair na colocação, sendo superado pelo Paraná (que registrou 2.718 casos), em 2014 o Estado não diminuiu o volume de ocorrências, pelo contrário, aumentou. Foram comunicados 2.686 casos, entre doenças relacionadas ao tipo de trabalho (203 registros), acidentes típicos, decorrentes da atividade profissional (2.249), e acidentes de trajeto, ocorridos entre a residência e o local de trabalho da vítima (234).
Em todo o País, os acidentes de trabalho nestas empresas somaram 16.033 casos registrados em 2014. De lá para cá, ocorreram 31 operações do Ministério Público do Trabalho em frigoríficos gaúchos (nove eram empresas do segmento de suínos, sete de bovinos, 14 avícolas e uma fábrica de ração). Em todas, participam também representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Alimentação e Afins (Cntaa) e da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS). Na mira da fiscalização estão cerca de 40 empresas de grande porte (com mais de 200 trabalhadores). “Praticamente todas que visitamos estavam em situação irregular”, comenta o procurador do Trabalho, Ricardo Garcia.
Entre as causas de notificações, autuações e interdições que ocorreram neste período, as principais são relacionadas à segurança de máquinas e ergonomia. Outros casos incluem jornada excessiva, inadequação de manutenção de equipamentos e ritmo elevado de produção – que ocasionam lesões por esforço repetitivo. Segundo o MTPS, o setor de frigoríficos é o que mais causa adoecimento aos trabalhadores, informa Garcia. “Chega a ser quatro vezes mais que a média nacional, incluindo todas as atividades econômicas.”
Em 2010, uma pesquisa realizada pela Cntaa em conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), detectou que o afastamento de 20% da mão de obra em frigoríficos gaúchos ocorreu devido a doenças relacionadas ao trabalho. “O índice de doenças ocupacionais é alarmante, muitas vezes levando trabalhadores à aposentadoria precoce”, pontua o secretário executivo da entidade no Estado, Darci Rocha.
O dirigente acena para o ambiente “frio, úmido e mórbido” que gera depressão em 20% deste total de afastados por doenças. “Muitos precisam tomar remédios tarja preta para manter o equilíbrio e seguir trabalhando diariamente nestes locais de morte.” Para se ter uma ideia, no ramo de bovinos se matam cerca de 700 a 800 bois por dia, enquanto nos demais setores são abatidas 60 mil a 70 mil aves/dia e 1.500 suínos/dia – essa é uma média por empresa. “O churrasco que chega na mesa dos gaúchos tem uma carga pesada de sofrimento dos animais e das pessoas que deixam seu sangue nestes locais para ganhar um salário miserável, de cerca de R$ 1.200,00 mensais”, declara Rocha.
Negligência pode gerar pena de responsabilidade civil
No último dia 10, o Ministério Público do Trabalho (MPT) expediu notificação recomendatória à Cooperativa Languiru, de Poço das Antas, que teve que adotar cinco providências em 24 horas, visando adequar situações ao disposto na legislação trabalhista. A empresa também recebeu prazo de cindo dias para 24 situações de risco, 30 dias para 21 situações e 60 dias para outras cinco. Chegou a ser recomendada a paralisação de máquinas que apresentaram riscos graves de acidente ou adoecimento, para viabilizar a correção. Conforme o procurador do Trabalho, Ricardo Garcia, existe pena de responsabilização civil e criminal em caso de negligência.
“O tempo médio de adequação depende das ações que vão ser tomadas, algumas dependem de mais tempo, pois envolvem toda a cadeia produtiva”, detalha o gerente jurídico da Companhia Minuano, Juliano Rheingantz. A empresa precisou encarar duas forças tarefas em 2014 e em 2015, mas em nenhuma delas sofreu interdição. “Aos poucos, vamos nos adequando, pois como houve mudanças recentes na exigência de estrutura de alguns equipamentos (pela NR12), não temos sequer fornecedores que supram esta necessidade. O próprio fornecedor de equipamento tem que rever sua fabricação.”
A paralisação só é solicitada em situações de riscos de acidentes graves, a exemplo de máquinas que podem vir a amputar membros e matar; bem como problema de ergonomia, que causem doenças aos trabalhadores. Segundo o advogado dos sindicatos das indústrias, Alceu Murá, as entidades orientam as empresas a realizarem diagnósticos prévios. “A maneira de evitar problemas legais é identificar e buscar a correção, porque a maioria das plantas dos frigoríficos são antigas, e existem regras que são recentes”, justifica.
Programa do MPT sugere prevenção a riscos trabalhistas nas empresas
Realizar um trabalho in loco, a fim de atingir um diagnóstico prévio e imediatamente atacar o problema existente para evitar notificações e multas da Delegacia Regional do Trabalho e do MPT é o caminho mais acertado para frigoríficos brasileiros, na visão do advogado Marcelo Scalzilli. Esta iniciativa ainda evita ações trabalhistas, conforme o especialista, pois existe uma questão peculiar dos frigoríficos que são as doenças ergonômicas adquiridas pelo trabalhador.
“Movimentos repetitivos, elevações dos membros superiores, questão postural, ausência de intervalos, insalubridade, ferramentas pontiagudas, poucos intervalos para descanso estão entre inúmeras outras situações que acontecem e que podem ser amenizadas a partir de um diagnóstico”, reforça Scalzilli. Sócio-proprietário e coordenador a área trabalhista da Scalilli.fmv Advogados e Associados, ele criou o Programa de Prevenção de Riscos de Multas da Delegacia Regional do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e de Condenações em Demandas Trabalhistas como um serviço do escritório. “Temos atuado em cooperativas de alimentos de grande porte e frigoríficos do Estado e do Brasil, com bons resultados.”
O programa consiste de um grupo de ação composto por advogados, ergonomistas laborais, técnicos em segurança do trabalho, entre outros especialistas em Normas Regulamentadoras (NR’s), que realiza inspeções em áreas problemáticas das empresas, mediante visitas surpresas ou não, com o intuito de identificar tudo aquilo que represente risco de multas e sentenças judiciais. Scalzilli afirma que a iniciativa, além de traduzir a médio prazo uma considerável economia aos cofres das empresas, também pode ser utilizada na defesa de autuações e deações trabalhistas.
(Fonte: Jornal do Comércio)