Princípio Responsabilidade

Princípio Responsabilidade

Princípio Responsabilidade

Para Hans Jonas, inovações tecnológicas devem ser acolhidas com cautela e temor

Muito embora o enunciado do “Princípio Responsabilidade”, proposto pelo pensador alemão Hans Jonas (1903-1993), não seja novo, apenas recentemente a evocação desse Princípio passou a ser explicitamente utilizada em nosso país, em debate sobre o grave problema ambiental e ocupacional causado pela crescente “dependência química” dos agricultores brasileiros, aos agrotóxicos, em especial aos herbicidas. Todas as estatísticas econômicas, agrícolas e até químicas mostram que o consumo de agrotóxicos no Brasil vem crescendo de forma acelerada, principalmente nos cultivares geneticamente modificados, mais conhecidos como “transgênicos”, de soja, de milho, de algodão, entre outros. E há estudos que mostram que o aumento da proporção de “transgênicos” na agricultura – sobretudo com sementes geneticamente modificadas para inserir nas plantas suposta tolerância ou resistência a herbicidas (glifosato, 2,4-D, entre outros) – tem provocado não a redução, mas o aumento do consumo destes próprios herbicidas, bem como de outros que foram aplicados para combater pragas que passam a desenvolver surpreendente resistência.

O fato portador de futuro, aqui saudado, é o da evocação do “Princípio Responsabilidade”, muito perto de nós, e, felizmente, no epicentro do debate de um grave problema, o qual, até agora, mais vezes tem sido analisado unicamente sob a óptica deslumbrada dos fabulosos avanços da Biotecnologia, da Engenharia Genética e do “melhorismo” de sementes e de grãos agrícolas, acompanhada por indicadores de produtividade, aparentemente inquestionáveis.

Contudo, se um fato portador de futuro é caracterizado por “sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades” (Michel Godet), quero crer que a evocação correta de Hans Jonas e de seu “Princípio Responsabilidade”, neste contexto, é alentadora, e “tem futuro”…

Publicado originalmente em 1979, o livro “O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica” tem hoje excelente versão em Português, graças à Contraponto/PUC-RJ (2006, 354 p.).

Hans Jonas começa seu livro, evocando a mitologia grega: “o Prometeu definitivamente desacorrentado, ao qual a ciência confere forças antes inimagináveis e a economia o impulso infatigável, clama por uma ética que, por meio de freios voluntários, impeça o poder dos homens de se transformar em uma desgraça para eles mesmos”. Propõe, ele mesmo, uma nova ética, construída a partir da constatação de que a éticas tradicionais encontravam-se apenas dentro dos limites do ser humano, não afetando a natureza. A natureza não era objeto da responsabilidade humana, pois ela cuidaria de si mesma. A ética tinha a ver apenas com o aqui e o agora. Em substituição ao antigo imperativo categórico de Kant – “age de tal maneira que o princípio de tua ação se transforme numa lei universal” – Jonas propôs um novo imperativo: “age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica”, ou em uma formulação negativa: “não ponhas em perigo a continuidade indefinida da humanidade na Terra”.

No contexto do que denominou “Princípio Responsabilidade”, Jonas defendeu a ideia de que o “primeiro dever” da ética do futuro é visualizar os efeitos de longo prazo. Mas a marca central da proposta do pensador alemão é a que ele denominou de “heurística do temor”. Seria não apernas um conceito teórico, mas, sobretudo, um procedimento ético e prático, que faz parte de uma tentativa de (re)orientação das ações humanas. O necessário “temor” seria uma alternativa à dimensão utópica ou ingênua, acrítica e deslumbrada, da técnica. Por isso, como princípio heurístico, o “temor” não é um sentimento de ansiedade, antes, um sentimento que desperta a capacidade reflexiva. Um “imperativo de prudência hiperbólica”, elemento que preveniria a humanidade de seu próprio desaparecimento. O “temor”, na concepção de Jonas, mobilizaria o dever ético de responsabilidade diante do perigo ou até mesmo da ameaça representada pela magnitude da técnica moderna.

Portanto, evocar o “Princípio Responsabilidade” no debate das atuais inter-relações perversas entre “transgênicos” e “agrotóxicos”, em nosso país, pode ser um ousado e promissor caminho para a revisão das atuais políticas permissivas, até agora marcadas apenas pela euforia aética e pela escassa reflexão sobre a degradação ambiental e os riscos para a saúde humana!

Por |2015-08-14T10:34:29-03:0014 de agosto de 2015|Notícias|