Data: 24 de junho
As mortes e os casos de adoecimento entre trabalhadores do corte da cana-de-açúcar são determinados pelo desgaste físico precoce e intensivo provocado pela atividade de trabalho. O sistema de remuneração por produção, utilizado no setor, é associado a bônus e premiações por superação de metas. Nesse cenário, a mecanização do processo tem sido apontada como a solução para o desgaste causado pelo corte manual. O que gera a necessidade de políticas públicas compensatórias para aqueles que perderão o seu emprego.
Essa foi uma das conclusões do professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Francisco Alves, na aula inaugural da disciplina “Políticas Públicas em Saúde e Segurança do Trabalho”, do Programa de Pós-Graduação “Trabalho, Saúde e Ambiente”, da Fundacentro.
Estima-se que só em São Paulo 200 mil trabalhadores perderão o trabalho. Além da questão da mecanização, a produção de álcool sofre uma estagnação com a preferência pela gasolina. Diante disso, Alves aponta três políticas compensatórias para essa mão de obra no estado de São Paulo: a qualificação profissional para operar máquinas no processo mecanizado; a reorganização da produção agrícola por terras de produção familiar de alimentos, focalizando a segurança alimentar; e o reflorestamento de áreas de mananciais e bacias hidrográficas para enfrentamento da crise hídrica local.
“A SST é um problema social, econômico e político, e, muitas vezes, para ele ser resolvido é preciso pensar para fora daquele ambiente de trabalho, e para isto precisamos de intervenção do Estado com políticas de trabalho e renda, por exemplo”, completa Thaís Helena Barreira, docente do Programa de Pós-Graduação que coordenou a aula realizada em 8 de junho.
O professor Francisco Alves, que é doutor em ciências econômicas, apresentou o histórico econômico e político, nacional e internacional, da atividade das usinas de açúcar e etanol. Esses resultaram em ciclos de expansão e de crise econômica do setor, no Brasil e no mundo, que impactaram sobre a forma de trabalhar dos cortadores de cana-de-açúcar e no processo de adoecimento e de desgaste físico.
O estado de São Paulo apresenta condições hídricas ideais para o cultivo e produtividade da cana-de-açúcar. Isso possibilitou uma grande expansão local. Para tanto, foi utilizado contingente de mão de obra imigrante.
Produtividade
“A saúde do trabalhador está relacionada com as escolhas da gestão da produção: quem vai produzir? o que vai produzir? de que forma vai produzir?”, avalia a pesquisadora da Fundacentro, Thaís Barreira.
Essas decisões empresariais são influenciadas pela conjuntura política e econômica local e global. Assim, a prevenção em SST depende de fatores macro e micro políticos e econômicos, e as políticas públicas devem atuar no sentido do desenvolvimento econômico, mas resguardando a sustentabilidade social e humana da nação.
“As medidas de prevenção em saúde para o excesso do desgaste físico encontrado entre esses trabalhadores, consensuadas com a mecanização do corte manual da cana, ainda não conseguiram ser implantadas. O problema da intensificação do trabalho parece ter sido aumentado com a associação do corte manual ao mecanizado, o que potencializa o adoecimento de trabalhadores”, afirma Thaís Barreira.
“Os cortadores atualmente chegam a produzir mais de 12 toneladas por dia. Na época da escravidão, a produção era de 3,5 toneladas diárias por trabalhador escravo”, alerta Francisco Alves. O excesso de trabalho leva a um desgaste físico, relacionado ao uso muscular e cardiorrespiratório.
Segundo Alves, o corte de cana mecânico já atinge 72% da produção no estado de São Paulo, o que levou a uma redução de 200 mil para 150 mil trabalhadores. No entanto, 20% da área plantada por cana não poderá ter a atividade mecanizada porque as máquinas não podem ser utilizadas nesses locais.
Esses números mostram a necessidade de se pensar em políticas públicas de geração de trabalho e renda para os trabalhadores do corte de cana que ficaram desempregados. Por outro lado, o setor ainda padece de condições ruins de trabalho e baixos salários. Além disso, mesmo com a mecanização, o pagamento continua sendo por produção, atrelado a metas criadas pelas empresas. Essas dependem de fatores que os trabalhadores não controlam, como a qualidade da cana, e isso é considerado para o cálculo da remuneração.
Fonte: Fundacentro