Data: 30 de março
Trabalhadores arriscam a saúde e integridade física em matadouros clandestinos espalhados por Alagoas. São vísceras, carcaças e tripas de animais se misturando aos humanos expostos às mínimas condições de higiene. é o que registra a jornalista Ana Paula Omena, na matéria “Na mira da fiscalização – Matadouros clandestinos ameaçam saúde e segurança do trabalhador”, publicada no jornal eletrônico Tribuna Hoje, no dia 24 de março, que contou com a participação do Auditor-Fiscal do Trabalho Gilberto Vasconcelos, lotado na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Alagoas – SRTE/AL.
Para Gilberto Vasconcelos, as fortes, chocantes e nauseantes imagens mostradas pela reportagem são um atentado à saúde, à dignidade dos trabalhadores e às legislações sanitária, ambiental e trabalhista vigentes. “Eles se arriscam em ambientes insalubres e não usam nenhum tipo de Equipamento de Proteção Individual – EPI, além de ficarem vulneráveis à transmissão de vários tipos de zoonoses, entre elas, a tuberculose, o antraz, a raiva e a cisticercose, as quais são potencialmente letais”.
Além disso, segundo o Auditor-Fiscal, estes trabalhadores estão expostos às doenças ocupacionais, devido às condições ergonômicas inadequadas de trabalho, bem como o risco de sofrer quedas e cortes. “A maioria deles não possui qualquer vínculo empregatício, isto é, não tem Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS assinada, trabalha no matadouro abatendo os animais e tratando as vísceras, recebendo por dia trabalhado”.
Outro problema é a água utilizada nos matadouros, usada de forma incorreta, descartada fora dos padrões de resíduos sólidos e efluentes. Quanto às fossas dos matadouros, quando elas existem, estão em péssimo estado de conservação e localizadas próximas de reservatórios de água potável.
Gilberto Vasconcelos explica que as ações fiscais realizadas pela SRTE/AL constatam situações as mais diversas possíveis, como a de um trabalhador abatendo um animal embaixo de uma árvore. “Nossa finalidade é resolver a situação trabalhista e ambiental destes trabalhadores nos matadouros clandestinos de Alagoas. Não podemos permitir banheiros insalubres, água podre, pisos escorregadios, que ferem a dignidade das pessoas que trabalham no local”.
Ele salienta ainda que na maioria das fiscalizações foram feitos flagrantes de trabalhadores desnutridos, anêmicos e com várias dermatoses, como, por exemplo, com os pés muito inchados. “Fechamos 22 matadouros nos últimos dois anos (2013/2014) com grave iminência de risco. A água usada no abatedouro era utilizada em baldes nos banheiros coletivos sujos e no piso escorregadio. No local, foram encontradas crianças que faziam o serviço de uma forma tão natural que impressionava”.
Segundo o Auditor-Fiscal, “embora a situação não esteja 100% resolvida, com certeza, está melhor do que era antes, em função da ação insistente do setor público”.
Quadro do descaso
Um levantamento realizado por fiscais estaduais agropecuários da Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas – Adeal revela que nos últimos quatro anos metade da manipulação de vísceras nos matadouros de Alagoas foi realizada em cima de bancas de madeira ou no chão, sem nenhum tipo de proteção higiênico-sanitária para os trabalhadores.
Em 51,11% dos estabelecimentos os efluentes eram descartados diretamente no ambiente ou nos rios, que em muitos casos, segundo o relatório, são a principal fonte de abastecimento de água para uso no próprio matadouro, consequência de um verdadeiro descaso ambiental.
Em 37 matadouros vistoriados, conforme o levantamento, o atordoamento dos animais era feito pelos trabalhadores de forma irregular, a marretadas e com choupas – pontas de ferro -, e somente 17,77% deles realizavam o abate com o uso de pistola com dardo cativo – acionado por ar comprimido – ou de forma aérea.
Segundo a Adeal, 61 matadouros foram interditados ou destruídos pela fiscalização desde 2011 para cá. No ano de 2008 eram 81 estabelecimentos clandestinos no Estado.
O relatório mostrou ainda que, embora o número tenha reduzido, todos os 20 matadouros municipais que funcionam atualmente, estão em desacordo com a legislação sanitária vigente. Esses estabelecimentos abatem cerca de dois mil bovinos por semana, além de suínos, caprinos e ovinos. Todos eles sem nenhuma supervisão do Serviço de Inspeção Estadual – SIE da Adeal.
As vistorias destacaram também que os produtos de origem animal, mesmo tendo valor nutritivo e sendo fonte de proteína para a alimentação humana, podem ser importantes veículos de transmissão de zoonoses, entre elas a tuberculose, a raiva e a cisticercose, tanto para os trabalhadores quanto para o consumidor final.
Além disso, conforme o relatório da Adeal, a destinação dos resíduos sólidos – chifres, cascos, ossos, pelos, fezes e outros produtos e subprodutos não comestíveis – está em desacordo com a determinação da legislação, tendo em vista que os lixões não são adequados para a destinação desse tipo de material potencialmente nocivo à saúde pública e ao meio ambiente.
Metas governamentais
O governo brasileiro se comprometeu com a comunidade internacional no sentido de extinguir as piores formas de trabalho infantil até 2015, e quaisquer formas até 2020. São metas que envolvem a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho. Em reunião realizada no dia 6 de março pela Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil – CETI na Justiça do Trabalho em Maceió, representantes de entidades, dentre elas a SRTE/AL, discutiram estratégias de combate e erradicação do trabalho e da exploração sexual infantil no Estado.
No debate, a Auditora-Fiscal do Trabalho Dulciane Alencar, do Núcleo de Combate ao Trabalho Infantil da SRTE/AL, disse que o órgão observou uma considerável redução em relação aos casos de exploração infantil em Alagoas. “Porém, muita coisa precisa ser feita, já que ainda é elevado o número de crianças trabalhando na informalidade, principalmente no âmbito familiar”.
Fiscalizações
As principais situações relacionadas a matadouros que chegam ao Ministério Público do Trabalho – MPT estão diretamente ligadas com irregularidades no ambiente de trabalho constatadas e registradas em relatórios produzidos por Auditores-Fiscais do Trabalho da SRTE/AL.
As irregularidades mais frequentes estão relacionadas às atividades e operações insalubres, condições sanitárias e a falta de conforto no ambiente de trabalho. Além da ausência de programas de saúde e segurança no ambiente de trabalho, a exemplo da Cipa – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, do PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e do SESMT – Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho. Ações que são fiscalizadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho de Alagoas e de todo o país em benefício do trabalhador brasileiro.
O quadro de irregularidades trabalhistas em matadouros é alarmante, tanto em termos de saúde pública como de irregularidades trabalhistas. São atentados a Direitos Humanos básicos. No dia 26 de fevereiro deste ano o Sinait publicou outra reportagem sobre matadouro, desta vez no Rio Grande do Norte. A situação é bastante parecida com a observada em Alagoas, descrita com riqueza de detalhes pela Auditora-Fiscal do Trabalho Marinalva Cardoso Dantas.
Fonte: Revista Proteção