Data: 7 de novembro
Em sua tese, a pesquisadora da Fundacentro do Paraná, Evelyn Joice Albizu, retrata a questão da exposição do pescador industrial ao ruído ocupacional e, sobretudo nos efeitos que isso causa na saúde desses profissionais.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) esclarece que pescador é toda pessoa que seja empregada ou contratada, não importando qual seja o cargo ou função, desde que exerçam atividades profissionais a bordo de uma embarcação pesqueira ou que trabalham a bordo, mas a remuneração é composta no reparto das capturas. Já o pescador industrial possui vínculo empregatício com o armador de pesca, no qual pode ser uma pessoa física ou jurídica que em seu nome e sob a sua responsabilidade apresta para sua utilização uma ou mais embarcações pesqueiras.
O estudo da pesquisadora teve como escopo identificar e avaliar o risco ocupacional em embarcações pesqueiras industriais localizadas no estado de Santa Catarina, concentrando-se na região de Itajaí, no período de 2007 a 2013. No Brasil, concentra o maior número de pescadores industriais (8.843), na região de Santa Catarina são 6.014 pescadores industriais. “Os trabalhadores que exercem as atividades nas empresas de pesca da região de Itajaí, no Ministério da Pesca e Aquicultura são registrados com os seus endereços residenciais, portanto, em Itajaí são 1.299 pescadores industriais”, descreve Evelyn. Em outros municípios os números de pescadores industriais são: Navegantes: 1.305; Governador Celso Ramos: 946; Balneário Camboriú: 28; Camboriú: 22; Bombinhas: 282; Porto Belo: 223 e Itapema: 88. Esses municípios representam aproximadamente 68,2 dos pescadores industriais do estado e 46% de todos os pescadores industriais registrados no Ministério da Pesca e Aquicultura.
Em 2006, como forma de recrutamento dos participantes, a Fundacentro/SC apresentou o projeto Acqua Forum aos sindicatos das categoriais dos trabalhadores e patronal da atividade pesqueira industrial. O Sindicato dos Trabalhadores das Empresas de Pesca de Santa Catarina (Sitrapesca) e o Sindicato dos Armadores e das Indústrias da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) aceitaram participar da pesquisa, que teve início em 2007, e as instituições parceiras do projeto realizaram o contato com as empresas de pesca industrial para divulgar a pesquisa aos pescadores e armadores, o qual foi realizado por meio do contato pessoal e cartazes, assim como, divulgação nos veículos de comunicação.
Todo esse trabalho com apoio dos sindicatos e das instituições parceiras possibilitou a realização da pesquisa. “A intervenção dos sindicatos permitiu que a Fundacentro do Paraná e de Santa Catarina realizassem as medições dos níveis de pressão sonora, bem como, a liberação dos pescadores, de forma aleatória, para participarem das entrevistas e avaliações audiológicas, no município de Itajaí nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2012”, comenta a pesquisadora.
Em seu estudo, a pesquisadora utilizou o método observacional e abordagem quantitativa -, participaram desta pesquisa 466 pescadores industriais, com idades de 18 a 67 anos, do sexo masculino, os quais exerciam diversas funções nas modalidades da pesca industrial em Santa Catarina. Para traçar o perfil sociodemográfico dos pescadores foram aplicados dois tipos de questionários, um foi para levantar as condições de trabalho nas atividades de pesca industrial e a outra com perguntas para obtenção de antecedentes mórbidos, sintomas e sinais auditivos e exposição a níveis de pressão sonora elevada – anamnese audiológica ocupacional.
Evelyn Albizu explica que a pesca comercial é avaliada como sendo uma das atividades mais perigosas do mundo, sobretudo no que se refere à exposição sucessiva ao ruído elevado e que aliado às condições de trabalho são fontes de riscos para os trabalhadores. Ainda sobre isso, a doutora salienta que a perda auditiva em decorrência da exposição ao ruído é definida como perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR), já com relação à perda auditiva ocupacional é originária do ambiente de trabalho, isso porque pode resultar tanto da exposição ao ruído como a outros agentes otoagressores, por exemplo, solventes orgânicos, alguns metais e monóxido de carbono. “Os pescadores industriais de Santa Catarina estão sujeitos a perdas auditivas de origem ocupacional”, diz a pesquisadora.
Para verificar o resultado das avaliações ocupacionais dos níveis de pressão sonora nas embarcações e nos pescadores, a pesquisadora comparou aos limites de tolerância indicados nas legislações nacional e internacional e normas técnicas. “De acordo com a legislação trabalhista brasileira foi necessário calcular o Nível de Exposição Normalizado (NEN) para o Nível de Pressão Sonora (NPS) medida por dosimetria, o qual se conclui que os pescadores estão expostos ao ruído ocupacional acima dos Limites de Tolerância (LT). Portanto, na maioria das situações e os que estão próximos ao LT, estão acima dos níveis de ação, 80 dBA para 8 horas, o que indica que estes trabalhadores tem risco de perda 200 de audição. O aumento do limiar auditivo foi verificado não apenas com o aumento da idade, mas também com o tempo de exposição, e como os pescadores estão expostos 24 horas ao ruído por vários dias, com poucos anos de profissão, de 16 a 20 anos, começam a apresentar traços sugestivos de PAIR. Considerando que a vida laboral de um pescador, ou seja, o tempo de trabalho até a sua aposentadoria, é 3,44 vezes maior do que outro trabalhador, desta maneira, a exposição aos riscos ambientais sob estas condições pode trazer prejuízos a sua saúde na mesma proporção”, frisa a doutora.
Em seu estudo, em relação ao ruído elevado, os pescadores relataram que o zumbido é o maior desconforto, o qual afeta 48,6% dos trabalhadores. Com 78,8%, a função de motorista é a mais afetada pela exposição ao ruído e apresentaram indicativo sugestivo de PAIR. “Na casa de máquinas, o uso do protetor auricular é obrigatório, mas em muitas embarcações eles devem ser substituídos e deve ser verificado o melhor equipamento para o ruído existente. O uso do protetor auricular nas demais funções não é viável, pois a comunicação entre os pescadores é fundamental, e como já apresentam perda auditiva, o seu uso poderia por em risco a vida de cada um e de todos. A PAIR foi constatada em 57% dos pescadores avaliados e também foram detectadas outras alterações auditivas (10%) que podem sugerir a influência de outros fatores, tais como os fatores climáticos, responsáveis também pelas queixas de dor de ouvido e de otites, além de outras condições de trabalho que não a exposição ao ruído, concluindo-se que 67% dos pescadores apresentaram alterações auditivas”, discorre Albizu.
Os pescadores industriais permanecem embarcados 24 horas durante um período de 28 a 50 dias, dependendo da modalidade de pesca. O período da jornada de trabalho desses profissionais em alto mar dificulta a realização de estudos a respeito do nível de pressão sonoro e, consequentemente, impossibilita averiguar os danos à saúde auditiva do profissional. Segundo informações da doutora, a avaliação da exposição ocupacional ao ruído se deu no sentido de identificar os níveis de pressão sonora a que esses profissionais estão expostos, sobretudo, o risco potencial de surdez ocupacional. Esse trabalho foi realizado em conjunto com o técnico da Fundacentro de Santa Catarina, Mário Sérgio dos Santos, a bordo das embarcações pesqueiras que sem dos atracadouros das empresas localizadas nos municípios de Itajaí e Navegantes.
Por dificuldades de acomodações para mais tripulantes, os pesquisadores não puderam permanecer em alto mar no período normal, que é de 28 a 30 dias. Além disso, foram avaliadas cinco embarcações, e o tempo de permanência se deu em torno das 8h às 21h e tiveram apoio do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Pesca de Santa Catarina (Sitrapesca) e respectivas empresas de pesca. A avaliação dos níveis de pressão sonora foi realizada nos compartimentos de quinze embarcações pesqueiras, de 16,9 m a 28m, das principais modalidades de pesca de Santa Catarina: cerco, arrasto, emalhe, e isca-viva (atuaneiro), e a dosimetria de ruído em pescadores. “Foram realizadas medições em cinco embarcações pesqueiras em alto mar aconteceram durante operações de captura do pescado, o que possibilitou avaliar as reais condições de exposição dos pescadores industriais aos agentes ambientais e realizar dosimetria de ruído em todas as funções”, discorre Albizu.
De acordo com a pesquisadora, na pesca profissional, além da saúde auditiva, existem outras doenças ocupacionais as quais os trabalhadores também estão propensos a adquiri-las como as alergias respiratórias, hipertensão arterial, estresse, lesões de pele, ferimentos causados por animais marinhos venenosos ou perigosos e lesões musculoesqueléticas.
A pesquisadora foi orientadora pela professora Claudia Giglio de Oliveira Gonçalves, do Programa de mestrado em Distúrbios da Comunicação – Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Evelyn também contou com apoio durante a pesquisa dos servidores Marlene Lucas, Maria do Monte Correa e o chefe Adir de Souza da Fundacentro/PR e da Fundacentro/RJ, Antonio Lincoln Colucci, que contribuiu com o programa Acqua Forum.
Evelyn relata que continua com o projeto para verificar problemas de equilíbrio nos pescadores industriais, a qual é desenvolvida em parceria com a Universidade Tuiuti do Paraná. “Estudo de medidas para atenuação do nível de pressão sonora nas embarcações industriais e, também, nos pescadores artesanais do Paraná. Para isso, estamos realizando testes audiológicos, exames bioquímicos e também aplicação de questionários sobre qualidade de vida, socioeconômico, condições de trabalho e anamnese”, finaliza a doutora.
História
A profissão de pescador é uma das atividades mais antigas da humanidade. Já no início do século XVIII, Bernardino Ramazzini observa em sua obra “De morbis artificum diatriba” (As doenças dos trabalhadores) – as doenças desses profissionais.
Em 2000, a pesquisadora começou a estudar essa temática, juntamente com outros pesquisadores da Fundacentro de outros estados. “Iniciamos um programa criado pela Fundacentro do Rio de Janeiro, o qual alcançou âmbito nacional pela sua importância em trabalhar com uma classe de trabalhadores da extensão das águas deste país, ignorada durante muito tempo pelo olhar da saúde ocupacional. Uma profissão apaixonante por quem dela vive e sobrevive, entretanto com tanto por ser feito em termos de segurança e saúde no trabalho“, discorre Albizu.
Diante deste fato, os pesquisadores da instituição de norte ao sul do país, fizeram contatos com as colônias, associações e sindicatos de pescadores profissionais para que pudessem conhecer não somente a profissão, mas os riscos que esses trabalhadores estão expostos. Cada regional pode planejar e desenvolver projetos, atendendo às demandas das comunidades locais e também as necessidades da região. No mesmo ano, com o intuito de promover a segurança e a saúde dos trabalhadores, em âmbito nacional criou-se o Programa Acqua Forum – Programa Nacional de Segurança, Saúde e Meio Ambiente de Trabalha nas Atividades de Pesca e Mergulho Profissionais. Esse estudo possibilitou informar os riscos de acidentes, uso de equipamento de proteção, as normas regulamentadoras e a legislação trabalhista, os quais todos os assuntos foram discutidos e aplicados para assegurar a saúde dos trabalhadores.
Fonte: Fundacentro