Violações da intimidade

Violações da intimidade

Violações da intimidade

A sociedade se mobiliza contra exigências médicas abusivas e anacrônicas

Não é de hoje que vêm sendo denunciadas diferentes modalidades de práticas claramente abusivas nos processos seletivos de candidatos a emprego, seja pela inclusão de questões descabidas nas entrevistas ou questionários, seja pela adoção de exigências e procedimentos médicos que não encontram fundamento científico, quando não maculam, até, o profissional de saúde, na perspectiva deontológica. Reagir contra essas práticas abusivas e anacrônicas, e recusar-se a se submeter a elas, além de ser um direito assegurado na Constituição Federal, pode significar um auspicioso fato portador de futuro, caracterizado por, “sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades” (Michel Godet).

Pois bem, comecemos pelos fatos portadores de passado! Os que mais recentemente vieram a público dizem respeito a dois casos emblemáticos. O primeiro caso apareceu na mídia sob o título: “Concurso da Polícia na Bahia pede exames ginecológicos e comprovação de virgindade”. O segundo, sob o título: “Concurso da Secretaria de Educação de SP pede comprovante de virgindade”, complementado pela notícia: “seleção pública também exige que mulheres com uma ‘vida sexual iniciada’ apresentem exames ginecológicos intrusivos”. Lendo as matérias, percebe-se que estas notícias tinham em comum a exigência de exame ginecológico “pré-admissional”, colposcopia, citologia e microflora, mas que as mulheres “com hímen íntegro” poderiam ser dispensadas desses exames, desde comprovassem sua virgindade através de um atestado médico.

Estes casos, que tantas reações provocaram – e com razão – foram os mais visíveis e recentes, mas, não faltam denúncias sobre questionários “invasivos” que são diariamente aplicados nos processos seletivos, por profissionais de Recursos Humanos – RH e por profissionais de Enfermagem e de Medicina do Trabalho – SESMT. Muitas das questões nada têm a ver com as exigências profissiográficas para os cargos e funções em disponibilidade. São verdadeiras invasões da privacidade, cujas respostas mais servem para satisfazer a curiosidade dos perguntantes, e para utilizar as respostas como instrumento de discriminação. Além do que – em boa parte das vezes – as questões não têm qualquer valor preditivo para supostos fins de prevenção de doenças.

Afrontam, portanto, aquilo que a Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, inclui entre os fundamentos da República, sob o título de “dignidade da pessoa humana”. A mesma Constituição também garante, em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A história nos mostra que em nosso país, sob o pretexto de uma “Higiene e Saúde Pública saneadora”, uma disfarçada “limpeza pública” eugênica era praticada nas grandes cidades brasileiras, ainda nas décadas de 1940 e 1950, obrigando candidatos a emprego a se submeterem, compulsoriamente, a exames laboratoriais para detecção de sífilis e de tuberculose, cujos resultados constituíam barreiras de acesso ao trabalho. Há quem ainda faça o mesmo com as doenças infecciosas de hoje, notadamente a exigência da pesquisa de HIV em candidatos a emprego.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), no documento Princípios Técnicos e éticos Relativos à Vigilância da Saúde dos Trabalhadores (1998), é explícita ao prescrever que o trabalhador que se submeter a uma avaliação do seu estado de saúde deveria ser informado, antecipadamente, de sua finalidade, do uso que se vai dar à informação que for coletada e das consequências (positivas ou negativas) de aceitar ou recusar esta avaliação. “Antes de cada exame médico ou de cada avaliação da saúde, é necessário obter o consentimento informado e voluntário do trabalhador, naqueles casos em que a vigilância da saúde não está estipulada pela legislação, nem pelas disposições regulamentares nacionais”, determina a OIT.

Por fim, os fatos portadores de futuro: reações indignadas de repúdio por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APOESP), entre muitos outros. é possível que a visibilidade alcançada pelas denúncias e manifestações ajude a desvelar a gravidade de práticas assemelhadas, e que profissionais das áreas de Recursos Humanos e dos SESMTs corrijam seus erros e ajustem seus calendários ao ano 2014!

Por |2014-10-02T15:10:37-03:002 de outubro de 2014|Notícias|