Memória, reflexão, ação!

Memória, reflexão, ação!

Data: 3 de setembro

A melhor forma de celebrar o tricentenário de Ramazzini é atentar às suas lições

Aproximando-se a data exata – 5 de novembro – em que serão celebrados os 300 anos da morte de Bernardino Ramazzini (1633-1714), ícone de todos os que se dedicam à Saúde e Segurança no Trabalho no mundo, descobrimos um sem-número de evidências documentais de que este ilustre médico e professor italiano foi – no seu tempo – um grande intérprete (e criador) de fatos portadores de futuro, isto é, “sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades” (Michel Godet). Num passado já bem longínquo, ele divisou o futuro, lutou para torná-lo presente, e hoje, serve de referência para todos os sonhadores e batalhadores como ele, sobretudo quando percebemos que seus ensinamentos – passados 300 anos – ainda não se concretizaram na sua plenitude.

Com efeito, há muitas formas de reverenciar Bernardino Ramazzini – objeto de quadros, pinturas, ilustrações, bustos, monumentos, medalhas e edições de livros e outras obras que surgem todos os dias, em Carpi (Emília Romana – Itália), onde nasceu em outubro de 1633; em Parma, onde estudou Filosofia e Medicina; em Módena, onde trabalhou como cientista, médico e professor de Medicina; em Pádua e em Veneza, onde continuou sua carreira docente, até novembro de 1714.

Contudo, a melhor forma de reverenciá-lo é conhecer e refletir sobre seus ensinamentos, que foram muitos, e lutar por sua adoção plena! Entre as principais lições vividas e ensinadas por Bernardino Ramazzini, destaca-se a construção de uma aproximação íntima, presencial, física e emocional, dos profissionais de SST – os médicos, muito especialmente – com os trabalhadores enquanto pessoas, cidadãos, seres humanos; com os trabalhadores, onde eles vivem e trabalham; com os trabalhadores, em suas histórias de vida e de trabalho; com os trabalhadores, em sua linguagem e modo de se referirem e lidarem com o mundo do trabalho; com os trabalhadores, na sua forma peculiar de expressarem suas necessidades de saúde.

Para começar, o médico deveria convidar o trabalhador a sentar-se, e, olho no olho, ele deveria ser tratado com dignidade e respeito, ouvido atentamente, sem deixar de fazer a clássica pergunta que Ramazzini ensinou os médicos a fazerem sempre: qual a sua profissão? Como se pode notar, este ensinamento basilar e fundamental seria aplicável a todos os médicos, e não apenas aos médicos do trabalho, ou aos peritos médicos ou médicos peritos, e hoje – infelizmente – acumulam-se evidências de que, desde aqueles tempos são poucos os profissionais que atentam para estes ensinamentos de Ramazzini, cumprindo-os, tal como foi ensinado. Seria essa uma das lições mais atuais que deveriam ser conhecidas e aplicadas, em respeito e consideração a Ramazzini – no tricentenário de morte -, aliás, em respeito aos nossos irmãos, trabalhadores e trabalhadoras? O mesmo se aplica a todas as profissões de saúde que lidam diretamente com gente – enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, odontólogos, técnicos de enfermagem, e outros – a quem estamos convidando a reverenciarem Ramazzini, pondo em prática o que ele fez e ensinou!

O mestre de Módena e de Pádua ensinou muitas outras boas lições – listamos pelo menos uma dezena delas -, entre as quais a da importância de conjugar a análise da dimensão clínica e individual dos problemas de saúde dos trabalhadores, simultaneamente à análise da dimensão coletiva e epidemiológica. Escutar, pois, e auscultar, atentamente, os indivíduos, porém sem deixar de correlacionar os achados com os perfis de trabalhadores, analisados segundo idade, gênero, posição social, tempo de serviço, e, principalmente, segundo grupo ocupacional e/ou profissão. Penso que Ramazzini, entristecido e indignado, diria – nos dias atuais – que tudo isto está claramente previsto na NR 7.2.2 e na Resolução CFM no 1488/98, mas quase nunca é cumprido…

Nas celebrações que irão ocorrer ao longo deste semestre, no Brasil e em alguns outros países, serão enfocadas muitas outras lições de Ramazzini, tanto de aplicabilidade médica, quanto mais ampliada. Todas elas irão contribuir, por certo, para reverenciar a memória de uma das maiores personalidades da Medicina, da Ciência e do Pensamento Humano. Porém o resgate da memória será insuficiente se não gerar reflexão, e esta, somente poderá alcançar um patamar mais elevado de contribuição para transformar o mundo, se se traduzir em compromisso e ação!

Por |2014-09-03T09:44:49-03:003 de setembro de 2014|Notícias|