Quanto vale a experiência?

Quanto vale a experiência?

Data: 4 de agosto

Necessidade de profissionais qualificados reabre espaço para trabalhadores idosos

A revista Exame (edição 1068) trouxe interessante matéria intitulada “O valor das horas de voo”, onde é abordada, com muita propriedade, a retomada do interesse das organizações em contratar – ou manter em seus quadros – trabalhadores idosos. A matéria é assinada pelo Prof. David E. Bloom, economista e professor de Demografia da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard (EUA). Nesta mesma linha, o jornal Valor Econômico traz, em sua edição de 5 de julho, matéria intitulada “Existe emprego para quem não quer parar”. Seria apenas coincidência? Ou um surto contagioso de excesso de otimismo? Ou a sinalização de algum promissor “fato portador de futuro”? Isto é, de “sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades” (Michel Godet)?

Talvez pela idade deste colunista (que acredita ainda não ter “problemas de coluna”…), estas matérias despertam uma leitura otimista e positiva, sobretudo considerando que as pessoas de nossa faixa etária – e até com menos idade – preocupam-se muito com a discriminação que ainda existe na contratação (ou manutenção) de trabalhadores competentes, baseada apenas em critérios etários sustentados no preconceito que não tem embasamento nem no campo da saúde, nem em termos de capacidade de trabalho e produtividade.

Com efeito, na perspectiva demográfica, o envelhecimento – frente às alternativas concorrentes – é um fenômeno que deveria ser saudado. No entanto, como salienta o Prof. David Bloom, há uma batalha no campo das imagens e estereótipos que precisa ser vencida, pois a associação do envelhecimento ainda é feita com a fraqueza, o declínio, a doença, a incapacidade, a inutilidade, a ociosidade, o ridículo. Na opinião do articulista, “mais esforços para traçar um quadro realista dos idosos – ilustrando sua sabedoria, experiência, autoridade moral e liderança – vão melhorar a vida deles e os tornarão mais valiosos no mercado de trabalho”.

Na perspectiva desta coluna de “fatos portadores de futuro”, identifico neste tema pelo menos três vertentes. Em primeiro lugar, o reconhecimento de que o envelhecimento – individual e coletivo – é uma conquista histórica da Humanidade, da Saúde Pública, da Educação, sobretudo se o acréscimo de anos à vida significar, também, acréscimo de vida aos anos. Hoje, as pessoas com 50 anos, ou mais, alcançam 19% da população brasileira (cerca de 38 milhões), segundo o IBGE; em 2050, elas serão 42% da população, estimados, então, em 98 milhões. Tudo terá que ser (re)pensado em tons de “grisalho”: a educação, o trabalho, o lazer, a cultura, a economia, e, portanto, não haverá como continuar discriminando um enorme contingente de vencedores, provavelmente saudáveis, produtivos e cheios de vida. Haverá mais de 70 milhões de pessoas acima de 60 anos, ou mais de 16 milhões acima de 80 anos, e mais de 1 milhão acima de 100 anos… Portanto, teremos que organizar a vida produtiva e econômica em função de outras realidades, e não combater a realidade.

Pensando em termos de Saúde e de Saúde no Trabalho, teremos que batalhar para que o Trabalho se torne cada vez mais um determinante de saúde, e não de doença, e esta é nossa segunda reflexão. Nas palavras dos professores Christophe Déjours e Elizabeth Abdoucheli, “o trabalho revela-se como um mediador privilegiado, senão único, entre inconsciente e campo social e entre ordem singular e ordem coletiva. O trabalho não é apenas um teatro aberto ao investimento subjetivo, ele é também um espaço de construção do sentido e, portanto, de conquista da identidade, de continuidade e historização do sujeito. Dessa forma, ao lado da economia das relações amorosas, a dinâmica das relações sujeito-organização do trabalho poderá ocupar um lugar significativo no processo de reapropriação e de emancipação de um homem sempre em luta contra a ameaça de tornar-se doente, sempre em luta para conservar sua identidade na normalidade, sempre em busca de ocasiões para trazer uma contribuição original à construção social”.

Por último, mas não menos importante, o resgate do valor da experiência, das “horas de voo” – como diz a matéria da revista Exame. Elas deveriam ser contabilizadas como ativo, não como uma desvantagem. “O futuro, sem dúvida, será dos cabelos brancos. Não apenas em asilos, consultórios, médicos e hospitais. Mas em escritórios, fábricas, cinemas, shopping centers, aeroportos, lugares turísticos…”, completa o Prof. Bloom.

Prof. René Mendes, diretor de Relações Internacionais da ANAMT

Fonte: Revista Proteção

Por |2014-08-04T11:41:41-03:004 de agosto de 2014|Notícias|