Data: 25 de maio
A condenação da farmacêutica Eli Lilly a pagar R$ 1 bilhão em indenização por danos morais deve ser apenas o começo de uma longa briga judicial. Outros 700 ex-funcionários e fornecedores também foram expostos a substâncias tóxicas na antiga fábrica da empresa, em Cosmópolis, no interior de São Paulo. Com a divulgação da sentença em primeira instância, o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas espera que outros ex-trabalhadores entrem com ações individuais pedindo indenização. Na capital, o MPT já abriu inquérito para investigar o risco de contaminação de trabalhadores em outra unidade.
— Foi uma vitória importante e representa um novo parâmetro para outras empresas que expõem seus trabalhadores a riscos de contaminação — disse o procurador do Trabalho Guilherme Duarte da Conceição.
A contaminação na fábrica de medicamentos, que funcionou em Cosmópolis entre 1977 e 2003, atingiu profissionais como Elias Soares, de 48 anos — nove deles naquela unidade da Eli Lilly —, que foi diagnosticado, em 2005, com câncer renal, adquirido no período em que trabalhou na área administrativa da companhia. Soares foi o primeiro a provar na Justiça que a doença foi causada pela inalação de gases tóxicos no ambiente de trabalho. Sua ação, junto com a da Shell, serviu de base para o MPT entrar com a ação civil pública por danos morais e coletivos pela contaminação dos ex-empregados.
A exemplo da Shell, que também foi condenada e acabou fazendo um acordo para o pagamento de indenizações por contaminação de ex-funcionários em sua fábrica de Paulínia, vizinha a Cosmópolis, na Eli Lilly o alerta foi dado por um funcionário que, após ser demitido, foi diagnosticado com câncer, provocado pela inalação de gases tóxicos na unidade da empresa.
Chumbo, arsênico, mercúrio e titânio
Além de Soares, ao menos outros 70 ex-funcionários entraram na Justiça contra o laboratório. Todos foram submetidos a exames de sangue e apresentam alto grau de contaminação. Segundo o toxicologista Igor Vassilieff, que também atuou no caso dos trabalhadores da Shell, os exames comprovam a presença de metais pesados, como chumbo, arsênico, alumínio, mercúrio e titânio, na corrente sanguínea dos ex-funcionários. Estas substâncias, diz o médico, se acumulam no fígado e, além de câncer, causam dores nas articulações, ansiedade, perda de memória e distúrbios comportamentais.
Paulo Onofre de Souza, de 54 anos, trabalhou por 14 anos como operador de produção na unidade. Ele sofre com alterações no fígado provocadas pela exposição aos produtos tóxicos e tenta se adaptar a uma nova atividade profissional, como motorista. Segundo ele, antes de vender a fábrica para a Antibióticos do Brasil (ABL), em 2002, a Eli Lilly demitiu um grupo de 80 trabalhadores das unidades de Cosmópolis e de São Paulo (no Morumbi) que já apresentavam sinais de contaminação. A ABL foi condenada na mesma ação.
— Eles aproveitaram o pacote para demitir pessoas que já estavam doentes, como eu, que sentia dores de cabeça e enjoos constantes — lembra ele, salientando que os equipamentos de proteção usados pelos trabalhadores na produção não eram suficientes.
Logo após ser demitido, os sintomas se agravaram e um exame constatou alterações em seu organismo provocadas pela presença de metais pesados. Na época, conta Souza, a empresa chamou um grupo de dez pessoas que já estavam doentes, inclusive ele, e ofereceu indenização financeira desde que assinassem termo de compromisso no qual isentariam a fábrica de qualquer responsabilidade. Souza recebeu cerca de R$ 180 mil, valor insuficiente para custear o tratamento, segundo ele, e que acabou lhe prejudicando na ação individual contra a Eli Lilly.
— Entrei na Justiça para ter plano de saúde, mas até hoje quem banca o meu tratamento é o da minha mulher.
A Eli Lilly, por meio de nota, disse que recorrerá da decisão e negou que haja indícios de metais pesados na área da planta de Cosmópolis. Afirmou ainda que sempre fez monitoramento do local e que “há laudos de especialistas atestando não haver nenhuma base científica que comprove que as substâncias encontradas causem as doenças alegadas”.
Empresa nega riscos
O caso de Souza tem ainda um agravante: uma das três filhas que nasceram durante o período em que ele trabalhava na fábrica está com a saúde fragilizada e sofre com problemas hepáticos e dores de cabeça constantes.
— Minha filha está doente e com sintomas muito parecidos com os meus, e tem muitos ex-colegas da fábrica que estão doentes e passando por dificuldades financeiras. Infelizmente, fomos abandonados pela empresa.
Com metais pesados no organismo, Edson Luiz Stefano é outro que vem sofrendo com insônia, perda de memória e dores abdominais. Segundo ele, apesar dos exames periódicos, os empregados não eram informados sobre os resultados nem sobre os riscos que corriam. Stefano conta que a empresa enterrava os resíduos tóxicos nos fundos da fábrica. Depois, investiu em um incinerador que era usado por outras empresas, como a Shell, para queimar lixo tóxico.
Em laudo assinado pelos peritos Georges Kaskantzis Neto, da Universidade Federal do Paraná, e Edson Tomaz, da Universidade de Campinas, consta que toda a área da fábrica da Eli Lilly de Cosmópolis “é uma fonte viva de contaminação”.
O caso de Cosmópolis também teve repercussões na capital paulista, onde a Eli Lilly tem outra unidade na Avenida Morumbi, no Brooklin, na Zona Sul. Com base nas denúncias da ação do MPT de Campinas, o MPT de São Paulo abriu inquérito para investigar a possibilidade de contaminação de trabalhadores na fábrica paulistana.
Os procuradores já pediram aos órgãos de controle do meio ambiente de São Paulo e ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador que produzam laudos sobre as condições ambientais no local e verifiquem se há registros de funcionários afastados por suspeita de contaminação.
Fonte: O Globo