Fundacentro no período ditatorial brasileiro é tema de dissertação de mestrado

Fundacentro no período ditatorial brasileiro é tema de dissertação de mestrado

Data: 21 de março

Com o título “Fundacentro: Função Social da Política sobre Acidentes de Trabalho no período ditatorial brasileiro de 1966 a 1976”, a mestre Juliana Monteiro Santos defendeu a sua dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

O recorte neste trabalho foi o de entender a política desenvolvida pelo governo ditatorial entre as décadas de 60 e 70, sobretudo na criação da Fundacentro para fomentar as questões ligadas à segurança e saúde do trabalho.

A ditadura foi definida pela história como sendo um período de cassação de direitos civis, censura à imprensa e coação das manifestações populares, sucedendo torturas, mortes e desaparecimento de muitas pessoas.

Juliana inicia a sua dissertação informando que a instituição foi criada com o objetivo de pesquisar e estudar assuntos ligados à segurança, higiene e medicina do trabalho, sendo vinculada ao Ministério do Trabalho em 1974.

Nesse período, a função social da instituição era a assessoria técnica ao Legislativo e ao Executivo para o desenvolvimento de normas de segurança no trabalho e, também, ser responsável por coordenar e promover a formação de profissionais especializados na área.

Sob o respaldo da política oficial, a Fundacentro era dirigida por um Conselho Superior que conciliava representantes do governo, empresariado e trabalhadores, o qual atuou como uma organização tripartite.

O interesse da historiadora em conhecer a história da instituição teve início quando ela estagiou na biblioteca da Fundacentro, entre 1998 e 2000. “Nessa época estava cursando história na graduação da PUC. Durante o estágio, fui conhecendo os principais temas de pesquisa da Fundacentro, pois atendia os públicos interno e externo e realizava pesquisa bibliográfica”, relata Juliana.

Desde a época do estágio, a pesquisadora queria entender várias questões sobre acidentes e doenças de trabalho, relacionando esse contexto na função social da Fundacentro, o motivo pelo qual foi criada e a quem ela serviu de fato.

Para responder a essas perguntas, a historiadora consultou as publicações da própria instituição, como o Boletim Informativo e a Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, nas quais constatou que a educação prevencionista disseminava conceitos relativos ao Ato Inseguro do Trabalhador.

Também foram realizadas entrevistas com os pesquisadores do Centro Técnico Nacional (CTN), Maria Margarida Teixeira Monteiro Lima e Rogério Galvão Silva.

Juliana comenta que por ter trabalhado na instituição, não foi difícil encontrar as fontes. “Fiz o projeto de mestrado e a pesquisa. O resultado foi uma dissertação satisfatória, que respondeu as questões que mais me intrigavam sobre a Fundacentro”, ressalta a mestre.

A pesquisadora Maria Margarida entende que reconhecer a história é reconhecer a própria existência. “Ao poder participar do resgate e do registro da história da instituição em que trabalhei, desde formada em engenharia, tem sido um reconhecimento contínuo do quanto importante é o papel da instituição nesses anos todos para a segurança e saúde daqueles que constroem o nosso país e ajudam a sociedade brasileira. Dessa forma, pude também entender melhor o quanto importante foi minha vida profissional como servidora pública”, salienta Margarida.

A pesquisadora também é membro do Grupo de Resgate Histórico, desde 2008, finaliza dizendo que ficou mais evidente que a história da Fundacentro é a história de cada servidor que se dedicou pela instituição e dos que continuarão a construí-la.

Rogério Galvão relata que destacou duas ações desenvolvidas na década de 70 que marcaram a história e trajetória da instituição. “A participação determinante na elaboração das Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e a coordenação do programa de formação de profissionais especializados em segurança, higiene e medicina do trabalho”, elucida o pesquisador.

Desenvolvimento industrial e os acidentes de trabalho

A indústria brasileira foi impulsionada durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, décadas de 30 e 40. Alavancou ainda mais no final da Segunda Guerra Mundial, nessas décadas, as indústrias dos países europeus arruinaram-se e foi necessário importar produtos industrializados do Brasil e de outros países.

Na década de 50, o desenvolvimento das indústrias e as obras de infraestrutura no país estavam em alta. Além disso, a construção da capital Brasília também foi um marco. Diante desses fatos, os acidentes de trabalho aumentaram significativamente.

Ainda na década de 50 a Petrobrás foi criada, em 1960, no governo de Juscelino Kubitschek, a indústria brasileira incorporou na economia o capital internacional, isso possibilitou a inserção de indústrias multinacionais que correspondiam às montadoras de veículos internacionais. A industrialização no país continuou a crescer também nas últimas décadas do século XX.

Criação da Fundacentro

A concepção da Fundacentro ocorreu no início dos anos 60, por meio da Recomendação nº 112 (1959), da Organização Internacional do Trabalho – OIT, pois havia um interesse em constituir uma organização do serviço especializado em segurança, higiene e medicina do trabalho nos próprios locais de trabalho.

No período que o Brasil foi considerado campeão em acidentes de trabalho, o governo, na década de 60, incita o interesse pela vinda de um técnico da OIT para estudar as condições de SST, sobretudo em São Paulo.

De acordo com a pesquisa do Grupo de Resgate Histórico, a primeira missão da OIT no país ocorreu em 05 de abril a 25 de outubro de 1962, com a visita de um técnico da Organização que estuda as atividades do Serviço Social da Indústria (SESI) e as condições de segurança e higiene do trabalho nas indústrias de São Paulo.

A conclusão foi de que existia a necessidade de criação de um centro de investigação na área com participação dos organismos oficiais e privados que abarcavam os problemas da proteção física do trabalhador. Em 1964, de 5 a 21 de março, em São Paulo, durante a realização do Congresso Americano de Medicina do Trabalho, sob a presidência do médico Joaquim Augusto Junqueira, é apresentado um estudo preliminar ao governador do estado, Adhemar de Barros, para a criação de um Instituto de Saúde Ocupacional, junto com a Universidade de São Paulo (USP).

No final da década de 1960, a Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho (Fundacentro) foi criada através da Lei nº 5.161, de 21 de outubro de 1966, vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).

Nesse período, a instituição teve o apoio de técnicos da Subdivisão de Segurança e Higiene do Serviço Social das Indústrias (SESI) e de profissionais da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP).

O serviço de biblioteca começou a atender pesquisadores, técnicos e interessados na área de SST, em fevereiro de 1970. O acervo compunha 720 publicações, 473 normas técnicas e 80 títulos de periódicos. Em 1972, atuava como Centro de Informação em Segurança e Saúde no Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho (CIS/OIT), sendo fonte exclusiva no Brasil a disponibilizar trabalhos técnico-científicos publicados mundialmente na área.

Para quem tem interesse em saber um pouco mais sobre a Fundacentro, poderá acessar o portal/Projetos/ Grupo de Resgate Histórico.

Em sua dissertação, a mestre discorre que desde a criação da Fundação, os grupos sociais que compunham na época representavam o empresariado, governo, academia e sindicatos, assim como, os organismos internacionais OIT, no entanto, os interesses na estruturação da SST, no Brasil, não ocorreram de forma congênere.

O período pesquisado também explanou que com o advento em que o Brasil era considerado campeão em acidentes de trabalho, o papel da Fundacentro respaldava no suporte técnico e educacional à política prevencionista, o qual foi estabelecido pelo governo. “Na época, o trabalhador que se acidentava era considerado culpado”, informa Juliana.

Ainda sob o aspecto preventivo, a mestre salienta que a Fundacentro desempenhou papel significativo no cenário nacional entre os anos de 1970 e 1980. “Atuou em duas frentes de trabalho, as quais remetem à assessoria técnica ao governo brasileiro para elaboração de normas técnicas e legislação pertinente à segurança e a saúde do trabalho. Coordenou a formação de profissionais especializados na área para atuarem na prevenção de acidentes diretamente nas empresas”, salienta a mestre.

Nesta dissertação também foram inseridos imagens com as seguintes frases: “Nós nos descuidamos”, “Sua vida é preciosa: evite acidentes”, “Evite acidentes: o Brasil precisa de você”, “Cuidado! O Perigolino quer derrubar você” e “Cuidado! O Perigolino quer ferir você”.

O exemplo da primeira imagem que apresenta três trabalhadores que sofreram graves lesões em acidentes de trabalho. O primeiro está sem um braço; o segundo perdeu a visão e o terceiro sem uma das pernas, a mestre expõe que o discurso era ditatorial de solidariedade. Isso porque o governo ao colocar na frase “nós” nos descuidamos – “ele culpabilizava este trabalhador pelo acidente ou doença do trabalho, destacando o descuido em seu ambiente de trabalho”, ressalta Juliana.

Por isso, os investimentos na educação prevencionista usavam os princípios relativos ao Ato Inseguro. Por outro lado, na época, não existiam especialistas para formação de técnicos nas áreas de higiene e segurança do trabalho, e a Fundacentro ficou com a direção para formar esses profissionais.

“A educação prevencionista fomentada pela instituição abordava o conceito dicotômica sobre atos inseguros e condições inseguras”, explana Monteiro. Na década de 70, o conceito de Ato Inseguro recebeu algumas críticas, sobretudo de autores da instituição.

O governo implanta o Programa Nacional de Valorização do Trabalhador (PNVT), e a Fundacentro fica como responsável pela formação de profissionais. Para priorizar uma política de valorização do trabalhador, é lançado o Decreto nº 70.861, de 25 de julho de 1972.

A mestre discorre que no mesmo ano é implantada a Portaria nº 3.237, a qual direciona todas as atividades da instituição voltadas à área educacional, realizando, assim, cursos, congressos, programas de TV e rádio, confecção de materiais educativos como cartazes – objetivando a formação de profissionais na área e de fornecer subsídios quanto à prevenção de acidentes.

Juliana agradece o apoio dos servidores da Fundacentro/CTN, Maria Inês dos Santos, Renivaldo Ferreira dos Santos e Tamires Carolina Moura dos Santos pela contribuição da busca das fontes. Além deles, os pesquisadores Maria Margarida Lima e Rogério Galvão Silva que foram imprescindíveis para que a mestre entendesse e soubesse como foi à trajetória da instituição e sua condição atual.

A dissertação de mestrado está disponível no acervo da biblioteca e também para download.

Fonte: Fundacentro

Por |2014-03-25T00:00:00-03:0025 de março de 2014|Notícias|