Data: 19 de março
O ex-empregado de uma das maiores empresas têxteis do país procurou a Justiça do Trabalho alegando que sofreu perda auditiva em decorrência dos ruídos e das condições inadequadas de trabalho. Por conta disso, pediu que a reclamada fosse condenada ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais, além de ressarcimento pelo período de estabilidade que não chegou a usufruir. O problema é que o contrato de trabalho durou de 1986 a 1997 e o reclamante ajuizou a ação apenas em 2013. Em razão dessa demora, a empresa argumentou que o direito de ação já estaria prescrito.
Mas a tese foi rejeitada pela 6ª; Turma do TRT-MG. Acompanhando o voto da juíza convocada Rosemary de Oliveira Pires, os julgadores decidiram manter a sentença que afastou a prescrição e concedeu indenizações ao reclamante. A decisão se baseou na teoria da “actio nata” (nascimento do direito de ação), pela qual, somente a partir da ciência inequívoca das lesões é que começa a correr o prazo prescricional.
O trabalhador relatou que, por volta do ano de 1994, percebeu redução de acuidade auditiva à direita e posteriormente à esquerda. Dispensado pela reclamada em 1997, foi trabalhar no campo. Ao tentar retornar ao trabalho urbano, foi reprovado em exame admissional realizado no dia 10/01/2012, em função da perda auditiva bilateral constatada. Na sentença, o juiz entendeu que, apesar de ter percebido a redução da percepção auditiva há mais tempo, o reclamante só teve ciência inequívoca da consolidação das lesões e de sua incapacidade anos depois. A decisão rejeitou a prescrição, reconhecendo que o direito de ação somente nasceu com as conclusões do laudo pericial produzido nos autos.
Ao analisar o recurso da indústria, a relatora também entendeu que não ocorreu a prescrição. Ela lembrou que, até a edição da Emenda Constitucional 45/2004, havia controvérsia sobre a competência para processar e julgar ações que versavam sobre acidente do trabalho. Com a nova redação conferida ao artigo 114 da Constituição Federal pela EC 45/04, ficou definido que a Justiça do Trabalho é competente para julgar os pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho.
Com isso, aplica-se o inciso XXIX do artigo 7º da Constituição da República, que prevê que o direito de exigir os créditos resultantes das relações de trabalho se sujeita ao “prazo prescricional de 5 (cinco) anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de 2 (dois) anos após a extinção do contrato de trabalho”. De acordo com a magistrada, o prazo do Direito Civil aplica-se às ações propostas antes da vigência da Emenda 45/04. No caso do processo, como o reclamante propôs a reclamação em 2013, ou seja, muitos anos depois da edição da Emenda Constitucional, a julgadora não teve dúvidas de que a prescrição aplicável é mesmo a trabalhista.
A relatora aplicou ao caso a Súmula 278 do STJ, que prevê que o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o empregado tem ciência inequívoca de sua incapacidade laboral. No mesmo sentido, destacou o Enunciado nº 46, aprovado na 1ª; Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, segundo o qual: “O termo inicial do prazo prescricional da indenização por danos decorrentes de acidente do trabalho é a data em que o trabalhador teve ciência inequívoca da incapacidade laboral ou do resultado gravoso para a saúde física e/ou mental”.
Nesse contexto, a prescrição total foi afastada. “Apesar de o reclamante ter notado a redução de sua capacidade auditiva há muitos anos, conforme exame realizado em 1996, exsurge dos autos que apenas em 10/01/2012, quando foi reprovado no exame admissional realizado, é que teve ciência inequívoca do comprometimento de sua audição e da incapacidade consequente”, destacou a juíza convocada, ponderando, ainda, que “se a própria reclamada não carreou aos autos a audiometria realizada por ocasião da demissão, o que impede verificar a consolidação da doença na época, não pode pretender que o março inicial da prescrição seja a dispensa, ocorrida no ano de 1997”.
Com base na perícia médica, a magistrada reconheceu que as atividades desenvolvidas no trabalho influenciaram no desenvolvimento da doença. Segundo o perito, o problema de ruído é antigo na empresa, que não tinha tradição de oferecer proteção auditiva eficiente. A oferta de protetores auriculares era feita de forma irregular e destituído de certificação de qualidade. Nesse cenário, a relatora considerou que a ré não provou a adoção dos procedimentos imprescindíveis à humanização do trabalho, devendo indenizar os danos causados.
“A responsabilidade da empregadora em indenizar o empregado por danos provenientes de acidente de trabalho, ou do surgimento de doenças ocupacionais, quando incorrer em dolo ou culpa, consoante o disposto no artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República, emerge do dever legal de conduta de evitar a ocorrência de tais infortúnios, pela observância das regras previstas na CLT, no art. 19, § 1º da Lei 8.213/91 e nas Normas Regulamentadoras do MTE, referentes à saúde, higiene e segurança do trabalho, elevadas a nível constitucional (art. 7º, XXII), exigindo do empregador a adoção de medidas tendentes a garantir a integridade física e mental de seus empregados”, registrou a relatora no voto, acrescentando, ainda, que a concausa (causa que concorre com outra para a produção do seu efeito) é suficiente para caracterizar a doença ocupacional, nos termos do artigo 21, inciso I, da Lei 8.213/91.
Portanto, considerando presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, a Turma de julgadores confirmou a obrigação da reclamada de reparar os danos morais sofridos pelo reclamante. O valor da indenização por danos morais foi elevado para R$ 15 mil. Além disso, foi reconhecido o direito à estabilidade provisória, nos termos da parte final do item II da súmula 378 do TST. No entanto, por se tratar de doença profissional constatada após a despedida, não foi exigido o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário.
Fonte: Revista Proteção