As mortes ocorridas nas obras de estádios da Copa do Mundo de 2014 colocam em evidência as falhas de segurança nos canteiros de obra brasileiros. Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, a pressa para cumprir prazos e as altas cargas horárias cumpridas por operários são hoje as maiores causas de acidentes no país.
Até agora, sete operários morreram em obras das arenas da Copa no país. Cinco deles foram vítimas de acidentes violentos – desde quedas ao desabamento de um guindaste no Itaquerão, em São Paulo.
Os outros dois foram vítimas de “mal súbito”, nomenclatura genérica dada por autoridades a doenças como infartes ou acidentes vasculares.
Para se ter ideia, na África do Sul, onde também ocorreram inúmeros atrasos de cronograma, a preparação dos estádios causou duas vítimas fatais.
As estatísticas mais recentes do Ministério da Previdência Social (divulgadas em outubro) registraram mais de 62 mil acidentes – de diferentes gravidades – no setor da construção civil no ano de 2012.
O número representa um aumento de 12% em relação aos casos ocorridos nos dois anos anteriores. Contudo, no mesmo período, o crescimento de empregados no setor também foi de 12%, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.
O governo não tem números atualizados sobre mortes no setor. O mais recente se refere a 2011: 471 casos.
No Estado de São Paulo – onde dois operários morreram em novembro nas obras da Arena Corinthians – a alta no número de mortes foi significativa, segundo dados do Sintracon-SP (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil). Foram 24 casos neste ano contra sete em 2012.
Pressa
“O setor da construção civil vive um momento de aquecimento e o ritmo elevado das obras, que têm prazo para serem entregues, acaba levando ao aumento nos acidentes de trabalho”, afirmou à BBC Brasil o procurador Philippe Gomes Jardim, da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), do Ministério Público do Trabalho da União.
“O aumento no ritmo de trabalho não vem acompanhado de mais segurança”, afirmou.
Segundo ele, quanto mais longas forem as jornadas de trabalho e menores os intervalos de folga, mais desgastado ficará o trabalhador e, portanto, mais sujeito a acidentes.
“É um círculo: o mercado exige velocidade da construtora, que exige do trabalhador, que acaba em situação de maior risco”.
Segundo o professor João Roberto Boccato, especialista em segurança do trabalho da Unicamp (Universidade de Campinas), as construtoras estão mais preocupadas em cumprir os cronogramas de obras do que em cumprir a legislação prevencionista.
“O não-cumprimento dos prazos envolve multas, que muitas vezes são bem maiores do que o custo dos acidentes. Falta em qualquer projeto no Brasil uma análise preliminar de riscos feita por profissionais da área de segurança”, afirmou Boccato.
Ele disse que a maioria dos contratos de obras falha ao não prever atrasos para a realização de melhorias para prevenir acidentes.
“Os contratos também deveriam prever pagamentos de multas maiores por acidentes de trabalho”, disse.
Horas extras e empreitada
Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, desembargador do Tribunal Superior do Trabalho de Minas Gerais, adota-se com certa frequência no setor da construção civil o pagamento rotineiro de horas extras que, por serem sistemáticas, acabam diminuindo o tempo de descanso do trabalhador.
“Isso (horas extras) não deveria ocorrer com tanta frequência, mas no Brasil existe a cultura da hora extra habitual, como se o fato extraordinário fosse um fato corriqueiro”.
Em alguns casos, os empregadores fazem pagamentos de forma ilegal para horas extras não registradas, segundo Antônio de Souza Ramalho, vice-presidente da Força Sindical, presidente do Sintracon e deputado estadual em São Paulo pelo PSDB.
“É o trabalho por empreitada. Paga-se “por fora” para aumentar o ritmo da obra”, disse Ramalho.
De acordo com ele, um operário comum (pedreiro, encanador, carpinteiro, etc.) costuma ter registrado na carteira de trabalho um salário mensal na faixa de R$ 1,5 mil. Contudo, uma vez em atividade na obra, ele passaria a receber por tarefa cumprida (empreitada) – o que poderia elevar seus rendimentos a até R$ 7 mil por mês.
Isso significa, segundo Ramalho, trabalhar de 12 a 16 horas por dia e não ter o serviço “por fora” registrado para fins previdenciários ou para contar no 13º salário.
Ramalho afirmou ainda que alguns trabalhadores usam entorpecentes para aguentar as longas jornadas de trabalho – o que aumenta ainda mais o risco de acidentes. A droga mais comum nos canteiros de obras seria o oxi, um derivado da cocaína preparado a partir da pasta base do entorpecente misturado a cal e querosene.
Fiscalização
O deputado também afirmou que não haveria fiscais suficientes para visitar todos os canteiros de obras. Eles são necessários para garantir o cumprimento de normas de segurança e impedir o excesso de trabalho dos operários.
Segundo Boccato, além disso, a fiscalização não é suficiente porque o valor das multas é baixo. Ele cita como exemplo o caso de uma empreiteira com obras em um aeroporto no Estado de São Paulo, que já teria sido multado diversas vezes por ação do Ministério Público – devido a irregularidades na questão de prevenção de acidentes.
“Mas por que estas obras continuam? Porque o valor das multas é muito pequeno em comparação com o custo do atraso da obra”, afirma.
Segundo os especialistas, a responsabilidade para esses problemas deve recair tanto nas construtoras como no poder público e nos próprios operários e seus sindicatos.
A BBC Brasil entrou em contato com o Sinicon, o sindicato patronal da construção pesada, para comentar a questão da insegurança em canteiros de obras mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Fonte: Terra