Tolerar cada vez menos

Tolerar cada vez menos

Data: 6 de dezembro

Se os limites de tolerância oficiais são obsoletos, outros deverão ser utilizados

O que parece óbvio, justo e moralmente mais correto, tornou-se agora oficial e mandatório: a agência governamental norte-americana OSHA anunciou, no final de outubro passado, que ante o obsoletismo e desatualização dos seus próprios “limites permitidos de exposição” (PELs) oficiais, os empregadores deveriam orientar a qualidade dos ambientes de trabalho, segundo limites de exposição mais rigorosos e mais protetores da saúde dos trabalhadores, sempre que eles existam como recomendações preconizadas por outras agências ou organizações. No caso dos Estados Unidos, seriam as recomendações do NIOSH (Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional), as da agência estadual da Califórnia (Cal/OSHA) – considerada a mais avançada e progressista das agências estaduais naquele país, e as da ACGIH (Conferência Americana de Higienistas Industriais Governamentais).

Não se trata de uma questão apenas norte-americana, ou de uma filigrana burocrática ou jurídica, mas sim, de um princípio universal, de fundamentação ética e moral, que deveria permear as politicas públicas de todos os países. No nosso país, a tolerância dos assim chamados “limites de tolerância” (NR 15) alcança dimensões já intoleráveis!

Ressalte-se que no caso do Brasil, este princípio já está previsto na NR 9.3.5.1.c, que assim preconiza a situação “quando os resultados das avaliações quantitativas da exposição dos trabalhadores excederem os valores dos limites previstos na NR-15 ou, na ausência destes os valores limites de exposição ocupacional adotados pela ACGIH – American Conference of Governmental Industrial Higyenists, ou aqueles que venham a ser estabelecidos em negociação coletiva de trabalho, desde que mais rigorosos do que os critérios técnico-legais estabelecidos” (negrito introduzido). Neste caso, “deverão ser adotadas as medidas necessárias suficientes para a eliminação, a minimização ou o controle dos riscos ambientais”, determina a NR. Não deixa de ser um alento, ao menos teórico e conceitual, que ajuda a atenuar os efeitos de nosso atraso, mas que – se de fato posto em prática – serviria, também, para ressaltar o crônico imobilismo e o pouco caso das autoridades governamentais, em “correrem atrás do prejuízo”. Obviamente, prejuízo dos trabalhadores e de sua saúde.

Para este analista, otimista e sonhador crônico, sempre à busca de fatos que possam ser considerados “portadores de futuro”, na acepção de Michel Godet (“sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades”), o pronunciamento oficial da Agência de Administração da Saúde e Segurança Ocupacional – OSHA, dos EUA, deve ser visto como uma sinalização emblemática da adoção do princípio moral e ético de que, sempre que se conheçam medidas mais protetoras da saúde humana – dos trabalhadores, no caso – em qualquer parte do mundo, elas devem ser tomadas como referência e adotadas, com, sem ou apesar do ordenamento jurídico nacional, em harmonia com o “Princípio da Precaução”! Tornar tecnicamente e economicamente factível e viável é um desafio e uma obrigação da sociedade, e não o contrário. Incorporar este conhecimento e este princípio à norma é uma obrigação do Poder Executivo e do Poder Legislativo, que deveriam ser norteados pelo conhecimento científico mais atual e mais protetor dos trabalhadores.

Voltando à decisão da OSHA, recentemente anunciada por seu Diretor e Secretário Assistente do Ministério do Trabalho, Dr. David Michaels, e divulgada na Newsletter daquela agência, edição de 1º de novembro de 2013, lembramos que a materialização objetiva desta decisão política foi feita por meio de um site, onde as tabelas de “limites permitidos de exposição” (PELs) da OSHA são cotejadas com os “limites recomendados de exposição” (RELs) do NIOSH, agência de Saúde que recomenda baseada em critérios de saúde; também com os PELs da Cal/OSHA, e com os TLVs© da ACGIH. A tabela, comparativa e comentada, visa a apresentar os “limites de tolerância” mais protetores e rigorosos, e que, na maioria das vezes, são a metade, um terço, e até um décimo dos ainda vigentes PELs da OSHA, tão obsoletos como os nossos LTs…

Ao saudarmos a iniciativa da OSHA e estimularmos que algo ainda melhor se faça no Brasil, não estamos defendendo a “cultura dos limites de tolerância”, mas sim, a prevalência do Princípio da Precaução, da equidade e da ética, na construção de um mundo do trabalho mais sustentável e mais justo!

Por |2013-12-06T00:00:00-02:006 de dezembro de 2013|Notícias|