Discussões da X Semana da Pesquisa da Fundacentro apontam centralidade do trabalho e do sujeito

Discussões da X Semana da Pesquisa da Fundacentro apontam centralidade do trabalho e do sujeito

Data: 22 de outubro

As conferências do primeiro dia da X Semana da Pesquisa da Fundacentro, em 21 de outubro, mostraram que o trabalho tem papel fundamental tanto na produção quanto na vida das pessoas. A valorização do humano e dos laços de solidariedade no ambiente laboral é fundamental para desconstruir o perfil embrutecedor das organizações, propício ao adoecimento físico e mental.

“O papel hegemônico dos valores econômicos na sociedade moderna parece ser contra o humano e o trabalho. Você fala mais na empresa que sobrevive do que no sujeito”, critica Roberto Heloani, professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Nesse ambiente, a violência física caminha ao lado da violência psicológica.

O primeiro dia de evento trouxe dois conferencistas para abordar o tema “Desafios e Perspectivas da Segurança e Saúde no Trabalho”, o livre-docente em teoria das organizações pela Unicamp, Roberto Heloani, e o doutor em ergonomia pelo Conservatoire National des Arts et Metiers, Laerte Sznelwar. Também foi realizado um debate sobre o tema “A Educação para a SST”, pelo doutor em saúde pública pela USP, Herval Pina Ribeiro.

Resgatando o sentido do humano

A cada 15 segundos, um trabalhador morre de acidente ou doença relacionada ao trabalho e 115 trabalhadores sofrem um acidente laboral. Os dados apresentados por Heloani foram sistematizados a partir do relatório da Organização Internacional do Trabalho – OIT de 2013. “Perdemos a sensibilidade a esses fatos, e os tornamos distantes de nós”, avalia o professor da Unicamp. “é uma realidade de guerra”.

Nesse contexto, o pesquisador avalia que a classe operária se idenfica cada vez menos com o trabalho, dando origem a uma alienação. Perde-se o sentido de pertencimento. é legítimo racionalizar a produção, mas é preciso repensar os fundamentos do contrato social, olhando para o humano.

“Não são os humanos que são criados pelas empresas e sim elas são criadas por nós. Pessoas sentem, choram, têm sentimento. A linguagem econômica tão decantada na rádio, na TV e nas organizacionais é uma linguagem do poder. A linguagem dos humanos é a da sobrevivência, do trabalho, do amor e da amizade. Implica confiança”, defende Heloani.

No entanto, a pessoa não pode expressar suas emoções no trabalho, que é intensificado e permeado por relações cada vez mais tensas. O tempo se torna raro. Discursos, como o de “ato inseguro”, colocam a culpa no trabalhador. “Isso destitui o trabalho de seu status e isenta a organização de suas responsabilidades”, diz o professor da Unicamp.

é preciso resgatar a sensibilidade no mundo do trabalho e encarar o trabalhador como gente, não como recurso. “A preocupação com a saúde moral e física das pessoas pode transformar as organizações e resgatar o sentido de humano”, conclui Heloani.

Construção da saúde e emancipação

Para Laerte Sznelwar, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – USP, é necessário diminuir a iniquidade da divisão do trabalho para um trabalho que permita a construção da saúde.

“O trabalho é fundamental na construção do sujeito, do coletivo e da sociedade. Nunca fomos um sujeito isolado. Estamos sempre incluídos em um contexto, num local, numa profissão e numa história”, explica Sznelwar.

O desafio é pensar quais são os entraves para construção da saúde. Os modos de organização do trabalho devem ser colocados em discussão. “A ideia gestionária é individualizante. é o sujeito individual acima de tudo, que se quebra porque não há solidariedade nem apoio dos colegas. Não há espaço para palavras, para a possibilidade de refletir e para o papel transformador com os diferentes atores sociais como sujeitos e protagonistas”, afirma o professor da USP.

Sznelwar aponta a necessidade de criação de trabalhos mais interessantes e mais motivadores. A busca de um caminho de emancipação dos trabalhadores é outro desafio atual. Os profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho são atores fundamentais para propiciar essas transformações no ambiente de trabalho. A consolidação da SST pode inclusive fortalecer as ações do Sistema único de Saúde – SUS, já que uma das dificuldades quando se faz a anamnese profissional é saber onde a pessoa trabalhou.

Outro aspecto abordado por Sznelwar foi a inclusão da discussão sobre trabalho quando se fala em desenvolvimento sustentável. Também não é possível se limitar à técnica quando se discute os desafios para a SST. Deve-se aliar a técnica à ação política.

“Para agir no mundo, temos um caminho a ser trilhado. Quando se reconhece os valores que são criados pelo trabalho, há uma contribuição profunda para o viver junto. é clara a importância do trabalho vivo em detrimento das máquinas”, conclui o professor da USP.

Educação

Se muitos são os desafios da SST, como mostraram Heloani e Sznelwar, quando o assunto é educação o cenário não é diferente. “O destino do ensino contemporâneo é todo ele utilitarista”, denuncia o professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, Herval Pina Ribeiro. Confunde-se, assim, ensino com educação.

O professor da Unifesp explica que “ensino é repasse de informações e, quando muito, de conhecimentos numa relação mais passiva que ativa entre o provedor e o provido”. Já a educação “é uma relação interativa, de compromissos e trocas de conhecimentos entre sujeitos, que devem estimular a si e aos outros a refletirem mais e melhor sobre as questões pautadas e resolvê-las”.

Herval Pina também fez uma abordagem crítica dos cursos à distância para a formação de profissionais na área de SST. A desvalorização dos professores do ensino fundamental foi outro aspecto criticado por ele.

A questão da educação também fez parte das discussões sobre os desafios da SST, já que desde cedo a criança e o adolescente são preparados para competir.

“Dentro da lógica capitalista você tende a educar as pessoas para tirar vantagem em tudo. Você mostra para a criança que ela vale quanto ela sabe, mas um saber instrumental, você forma a criança para competir e não para conviver. é viver para superar o outro. Não posso esperar que seja solidário. O bom competidor é aquele que sabe bater, controlar as emoções”, critica Roberto Heloani.

Esse cenário de competição é a ainda mais estimulado no mundo do trabalho, e as pessoas ficam isoladas em um ambiente de intensificação de ritmos e pouco espaço para o sujeito e a coletividade.

Fonte: Fundacentro

Por |2013-10-23T11:19:41-02:0023 de outubro de 2013|Notícias|