Estudantes de medicina terão que trabalhar dois anos no SUS para se formar

Estudantes de medicina terão que trabalhar dois anos no SUS para se formar

O Governo Federal lançou, no dia 8 de julho, o Programa Mais Médico para o Brasil, cujo objetivo é ampliar o atendimento aos cidadãos, principalmente os que vivem nas periferias das grandes cidades e em localidades remotas. O principal anúncio foi a mudança no processo de graduação. A partir de 2015, os estudantes que ingressarem em faculdades de Medicina além dos atuais seis anos de curso, terão que cumprir um ciclo de dois anos no Sistema único de Saúde (SUS) para obter o diploma.

Neste período, não poderão dar plantões em unidades hospitalares não vinculadas às instituição de ensino onde estudam e trabalhar em consultórios particulares. O ministro da Educação, Aloízio Mercadante, afirmou que a medida “humanizará” a formação desses profissionais e ampliará o efetivo da rede de atenção básica. A estimativa é a de que, em 2022, o sistema absorva cerca de 20 mil novos médicos.

“Não queremos simplesmente formar médicos. Nós queremos formar bons médicos para o país”, declarou o ministro, ao também anunciar um aumento de quase 10% no número de vagas em cursos de Medicina até 2017. Além de Mercadante, estiveram presentes a presidente da República, Dilma Rousseff, o vice, Michel Temer, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

“Importação”

Ponto que vem provocando grande polêmica, a contratação de estrangeiros sem a necessidade de revalidação do diploma foi igualmente detalhada na cerimônia.

Aqueles que não fizerem o exame receberão um registro provisório, que os permitirá trabalhar apenas por três anos nos postos a que forem designados. Caso a norma seja violada, o registro e o visto para permanecer no país serão cassados. Além disso, eles serão avaliados e acompanhados por equipes de universidades federais, que oferecerão treinamentos e, posteriormente, julgarão se estão aptos a atuar.

São exigências para concorrer ao cargo: currículo de formação semelhante aos adotados em instituições de ensino nacionais, autorização para o livre exercício da medicina em seus países, domínio da língua portuguesa, e origem em nações com média superior a 1,8 médicos para cada grupo de mil habitantes.

Os estrangeiros serão convocados apenas se os brasileiros ou médicos aprovados no Revalida não preencherem todos os postos de trabalho. O programa abrirá 10 mil vagas, com remuneração de R$ 10 mil para uma jornada de 40 horas semanais e auxílio deslocamento que varia entre R$ 10 mil e R$ 30 mil, de acordo com a região onde forem empregados.

Sobre a questão, Alexandre Padilha, foi enfático. “Não vamos nos furtar a fazer exatamente o que outros países do mundo fazem, que é buscar médicos estrangeiros quando não temos médicos brasileiros em número suficiente para preencher essas vagas. Esse tema não pode ser um tabu no Brasil”,declarou.

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Entidades criticam

O Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB), a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) e a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), divulgaram uma carta aberta na qual criticam a estratégia apresentada pelo governo. Segundo o texto, as “decisões anunciadas são irresponsáveis, midiáticas e demonstram a incompreensão das autoridades à expectativa real da população”.

O aumento do período de formação, declaram as entidades,”é uma manobra que favorece a exploração de mão de obra, visto que os estudantes já realizam estágios nas últimas etapas de sua graduação e depois passam de três a cinco anos em cursos de residência médica, geralmente em unidades vinculadas ao SUS”. Leia abaixo a íntegra do posicionamento.

CARTA DAS ENTIDADES MéDICAS AOS BRASILEIROS

A dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde configura preocupação recorrente das entidades médicas brasileiras. é inaceitável que nosso país, cujo Governo anuncia sucessivos êxitos no campo econômico, ainda seja obrigado a conviver com a falta de investimentos e com a gestão ineficiente no âmbito da rede pública. Trata-se de quadro que precisa ser combatido para acabar com a desassistência.

Neste processo, as entidades apontam como fundamentais a adoção de medidas profundas, que elevarão o status do Sistema único de Saúde (SUS) ao de um modelo realmente eficaz, caracterizado pela justiça e a equidade. Sendo assim, assumem alto risco a adoção das medidas anunciadas, as quais não observam a cautela imprescindível ao exercício da boa medicina.

As decisões anunciadas pelo Governo demonstram a incompreensão das autoridades à expectativa real da população. O povo quer saúde com base em seu direito constitucional. Ele não quer medidas paliativas, inócuas ou de resultado duvidoso. O sonho é o do acesso a serviços estruturados (com instalações e equipamentos adequados) e munidos de equipes bem preparadas e multidisciplinares, inclusive com a presença de médicos, enfermeiros, dentistas, entre outros profissionais.

A vinda de médicos estrangeiros sem aprovação no Revalida e a abertura de mais vagas em escolas médicas sem qualidade, entre outros pontos, são medidas irresponsáveis. Apesar do apelo midiático, elas comprometerão a qualidade do atendimento nos serviços de saúde e, em última análise, expõem a parcela mais carente e vulnerável da nossa população aos riscos decorrentes do atendimento de profissionais mal formados e desqualificados.

Outro ponto questionável da medida se refere à ampliação do tempo de formação nos cursos de Medicina em dois anos. Trata-se de uma manobra, que favorece a exploração de mão de obra. Não se pode esquecer que os estudantes já realizam estágios nas últimas etapas de sua graduação e depois passam de três a cinco anos em cursos de residência médica, geralmente em unidades vinculadas ao SUS.

Também não se pode ignorar que o formato de contratação de médicos – sem garantias trabalhistas expressas, com contratos precários e com uma remuneração não compatível com a responsabilidade e exclusividade – são pontos que merecem críticas. Em lugar desse caminho, o Governo deveria ter criado uma carreira de Estado para o médico, dando-lhe as condições estruturais para exercer seu papel e o estimulo profissional necessário para migrar e se fixar no interior e na periferia dos grandes centros.

Diante do cenário imposto, as entidades médicas reafirmam sua posição crítica com relação aos pontos anunciados por entender que todas carecem de âncoras técnicas e legais Nos próximos dias, deverá ser feito o questionamento jurídico da iniciativa do Governo Federal, o qual contraria a Constituição ao estipular cidadãos de segunda categoria, atendidos por pessoas cuja formação profissional suscita dúvidas, com respeito a sua qualidade técnica e ética.

A reação das entidades expressa o inconformismo de parcela significativa da sociedade e serve de alerta às autoridades que, ao insistir em sua adoção, assume total responsabilidade pelas suas consequências. Entendemos que o Governo atravessa momento ímpar, com condições de fazer a revolução real e necessária dentro do SUS. Contudo, deve evitar a pauta imediatista e apostar no compromisso político de colocar o SUS em funcionamento efetivo.

Brasília, 8 de julho de 2013.

ASSOCIAçãO MéDICA BRASILEIRA (AMB)
ASSOCIAçãO NACIONAL DE MéDICOS RESIDENTES (ANMR)
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM)
FEDERAçãO NACIONAL DOS MéDICOS (FENAM)

Por |2013-07-09T10:51:01-03:009 de julho de 2013|Notícias|