Data: 12 de junho
A Constituição Federal proíbe, em seu artigo 7º, inciso XXXIII, qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. Com base nesse dispositivo, a 9ª; Turma do TRT-MG, acompanhando o voto da juíza convocada Cristiana Maria Valadares Fenelon, por maioria, proibiu um grande clube de futebol de manter menores de 14 anos alojados em suas dependências.
Ao julgar a ação civil pública, a juíza de 1º Grau havia entendido que as atividades de esporte não se confundem com relação de trabalho, salvo quando praticado profissionalmente, conforme previsto no capítulo V da Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé. No modo de entender da juíza sentenciante, a proibição em relação à idade não seria aplicável, razão pela qual a pretensão do Ministério Público do Trabalho nesse sentido foi julgada improcedente. A ação foi julgada procedente apenas para determinar que o clube cumpra algumas obrigações concernentes à contratação de menores, como autorização dos pais, questões de saúde, de documentação e de melhoria nos sanitários.
Inconformado, o MPT recorreu e conseguiu obter entendimento diferente da Turma de julgadores. Sob o enfoque da Lei Pelé, a relatora concluiu que os menores acolhidos para treinamento nas categorias de base praticam o desporto de rendimento no modo não-profissional, conforme previsto no artigo 3º da Lei 9.615/98. Para ela, apesar de não se tratar de relação de emprego, a relação é claramente de trabalho.
“Os menores selecionados e alojados pelo clube, conquanto recebam vários benefícios, como acompanhamento médico, fisioterápico, odontológico, psicológico, escola e moradia, obrigam-se a treinar com o fim de se aperfeiçoarem na prática do esporte, visando à profissionalização. E o sucesso de seu desempenho trará vantagem econômica futura para o clube. Vale recordar que a relação de trabalho tem como objeto a atividade pessoal de uma das partes e no caso em apreço, os menores se obrigavam ao treinamento, donde se conclui que a hipótese envolve, sim, esse tipo de vínculo jurídico”,ponderou no voto.
Nesse contexto, a julgadora entendeu aplicável o artigo 7º, XXXIII, da Constituição, que proíbe o trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. Ela lembrou que a restrição é reproduzida no artigo 403 da CLT, sendo a diretriz contida também no artigo 29, § 4º, da Lei 9.615/98. Este último dispositivo restringe a idade do atleta não profissional em formação ao mínimo de 14 anos. Na avaliação da relatora, a conclusão que daí se extrai é clara: os clubes de futebol não podem manter alojados em suas dependências menores de 14 anos. Por esse motivo, o réu foi condenado a afastar os menores dessa faixa etária que se encontrarem em treinamento e providenciar a transferência escolar, arcando com todos os custos necessários para o retorno ao local de residência da família. Também foi determinado que ele providencie acompanhamento psicológico do atleta em formação.
Contrato de aprendizagem no futebol
No recurso também foi analisada a situação dos menores com idade entre 14 e 16 anos. Após analisar o processo, a relatora decidiu que eles devem ser contratados não apenas de acordo com as regras próprias do desporto, como também, em caráter complementar, das disposições relativas ao contrato de aprendizagem, no que forem compatíveis. A jornada foi limitada ao máximo de quatro horas, fora do horário escolar, nos termos do artigo 29, parágrafo 2º, da Lei 9.615/98. Várias vantagens foram asseguradas aos menores, como seguro de vida e assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, alimentação, transporte e convivência familiar, em reforço ao que já era garantido pelo clube.
A relatora lembrou que a convivência familiar é garantida pelo artigo 227 da Constituição da República e também prevista no artigo 2º, II,”c”,da Lei 9.615/98. Para ela, o clube deve assegurar aos menores alojados no clube a visita à família, pelo menos cinco vezes no ano, sendo duas durante o período de férias escolares, além de arcar com todas as despesas de deslocamento. Na decisão foi determinado que o clube providencie a autorização firmada pelos pais ou responsáveis para alojamento dos menores.
As retificações determinadas na sentença com relação às condições do espaço físico oferecido aos atletas foram consideradas suficientes pela relatora para assegurar aos menores alojados o uso de instalações adequadas. Ela apenas advertiu o réu de que ele deverá manter a mesma qualidade de atendimento prestado até o momento, além de garantir o prosseguimento do atendimento médico, odontológico, fisioterápico, psicológico e escolar que vem concedendo aos menores. O réu ficou proibido de exigir dos atletas em formação a execução de serviços de limpeza dos alojamentos e sanitários, imposição que, segundo a magistrada, contraria a NR 24, item 24.5.28.
Socialização dos menores
A socialização dos menores alojados também foi objeto de apreciação. A juíza convocada constatou que o réu deixa de adotar medidas capazes de incentivar a interação na comunidade, agravando o isolamento do menor. Ela destacou que a conduta por ele adotada ofende o Estatuto da Criança e do Adolescente, decidindo acolher o pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho de providências no aspecto. Também acolheu a pretensão de implementação do programa de atendimento médico e psicológico dos adolescentes, com o objetivo de garantir sua saúde física e mental, prevenindo doenças, especialmente aquelas advindas da prática desportiva de rendimento. A magistrada lembrou que os menores aprendizes têm direito a diversas garantias trabalhistas, inclusive proteção integral da saúde.
A relatora considerou razoável a fixação do período de duração dos testes em uma semana, pois assim se garante a frequência escolar do adolescente. Também estabeleceu regras no que concerne à prévia autorização dos pais e comprovação de frequência escolar, submissão do menor a exames médicos e manutenção dos registros, para conferir maior transparência ao procedimento. Porém, não considerou a eventual cobrança de taxa ilegal. Ademais, estabeleceu a responsabilidade dos parceiros autorizados a utilizar o nome do clube para manter escola de futebol.
Dano moral coletivo
Por fim, o recurso do Ministério Público foi julgado favorável para condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, a ser revertida ao Fundo Estadual para a Infância e Adolescência. A julgadora deu razão ao autor quanto à alegação de que o clube de futebol colocou crianças em situação de trabalho. Embora para a relatora, devesse ser deferido o valor integral pedido pelo autor, prevaleceu na Turma de julgadores a fixação da reparação em R$ 100 mil reais.
Nesses termos, a Turma de julgadores, por maioria de votos, deu provimento ao recurso do Ministério Público do Trabalho para julgar parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, impondo ao clube de futebol o cumprimento de inúmeras obrigações em relação à contratação de menores. O réu terá o prazo de 60 dias, a partir da publicação do acórdão, para cumprir as providências determinadas.
Fonte: TRT-MG