Documentos sobre trabalho escravo entram para a história

Documentos sobre trabalho escravo entram para a história

Data: 16 de maio

No decorrer das comemorações pelos 70 anos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), dois documentos históricos passaram a fazer parte do acervo do Memorial da Justiça do Trabalho da 8ª; Região. Em solenidade ocorrida no dia 15 de maio, no átrio do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª; Região (TRT 8) em Belém, em que foi aberto o seminário “Da Senzala até as Leis atuais da CLT”,presidida pela Desembargadora Sulamir Palmeira Monassa de Almeida, foram cunhados Selos Históricos em processos que tratam de trabalho análogo à escravidão no Pará.

Um deles traz a primeira sentença sobre trabalho escravo no Brasil, de 1976, da lavra do então juiz trabalhista Vicente Malheiros da Fonseca, atual decano e ex-Presidente do TRT 8. O processo nº 71/1976, oriundo de Abaetetuba, que teve como reclamante Humberto Pereira Cardoso e como reclamado Francisco Maués Carvalho, contém mais de 100 páginas e passou a ser reconhecido como parte da história do Brasil. O outro processo, de nº 491/2002, também ganhou o devido reconhecimento pela importância histórica para a região, por ter sido o primeiro em que se pede indenização por dano moral coletivo, graças à atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que passou a atuar com firmeza na fiscalização do trabalho análogo à escravidão.

A Desembargadora Sulamir Palmeira Monassa lembrou que os documentos históricos estão à disposição para pesquisas científicas. “Estamos preparando o nosso memorial para esse fim”,declarou. Também participaram da solenidade os Desembargadores Georgenor de Souza Franco Filho, Alda Maria de Pinho Couto e Francisco Sérgio Silva Rocha; e os juízes Antônio Oldemar Coêlho dos Santos, Maria Zuíla Lima Dutra, Raimundo Itamar Lemos Fernandes Júnior e Maria de Nazaré Medeiros Rocha.

O Desembargador Vicente Malheiros da Fonseca, que fez em seguida uma palestra sobre Tutela Jurisdicional da Documentação Arquivística, na área do Jurisdicionado do TRT 8, citou o pioneirismo do processo de 1976, provavelmente o primeiro do Brasil a tratar de trabalho escravo, em uma época muito anterior à Constituição de 1988, que redefiniu as atribuições do Ministério Público. “Tudo o que havia era a definição no Código Penal do crime de trabalho escravo ou forçado, mas não havia na Justiça do Trabalho quem explorasse esse tema. Esse reclamante (Humberto Pereira Cardoso) nunca pegou em dinheiro, já entrou devendo, deixavam rancho para a família dele a preços exorbitantes e o tempo inteiro ele estava devendo, trabalhou anos e anos nessa fazenda nessas condições, assim como o pai e o avô dele, desde 1941. E foi um processo em que eu tinha apenas três anos de magistratura”,relembra o Desembargador Vicente Malheiros, que também lançou mão do então recém-publicado Estatuto do Trabalhador Rural, de 1973.

“Essa lei de 1973 (Estatuto do Trabalhador Rural) dizia que determinado direito seria concedido conforme a regulamentação, mas não havia regulamentação e eu tinha que dar uma decisão. Demorei muito a refletir sobre o tema, foi um processo com muitos incidentes e só tinha um livro que fazia referência a esse assunto. Era praticamente inédito. Escrevi mais de 100 páginas e nem imaginava que um dia se tornaria um processo histórico. Naquela época não havia indenização por dano coletivo ou moral, nem ação do Ministério Público; era reclamação trivial, mas no fundo era trabalho escravo”,lembra o Desembargador Vicente Malheiros.

O juiz do Trabalho Raimundo Itamar Lemos Fernandes Junior falou sobre o Processo 491/2002, oriundo da Vara do Trabalho de Marabá, autuado em 5 de fevereiro daquele ano, que tratava de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, através do procurador Hideraldo Luiz de Souza Machado. “A instrução processual ocorreu em apenas uma audiência, presidida pelo Dr. João Carlos Pereira Martins, que indeferiu pedidos de transferências, processos de juntada posterior de documentos, e o processo foi para sentença com julgamento pela total procedência dos pedidos dos trabalhadores rurais, que trabalhavam no campo submetidos a situação degradante, trabalho forçado, não recebiam nem sequer chapéu de palha para trabalhar no sol”,disse o juiz Raimundo Itamar.

A indenização pedida foi deferida integralmente, em valor na época de R$ 30 mil. “Esses autos são muito interessantes e riquíssimos, porque trazem sucessivos documentos históricos, em razão do trabalho da Justiça da 8ª; Região. Essa sentença traz a indenização por dano moral coletivo, como reconhecido pela Organização Mundial do Trabalho (OIT) em nosso país e não poderia deixar de ser lavrada aqui na 8ª; Região”,disse o juiz Raimundo Itamar, acrescentando que o processo seguiu para o TRT 8, sendo distribuído para a Egrégia 1ª; Turma, tendo como relator o Desembargador Luís José de Jesus Ribeiro, atual Vice-Presidente do TRT 8. Por unanimidade, a 1ª; Turma manteve os termos da sentença, favorecendo uma tese que então era de vanguarda em relação à legitimidade do Ministério Público em propor esse tipo de ação.

“Dentro do processo, quando o recurso foi interposto pela Fazenda Estrela de Alagoas, o Ministério Público, ao contra-arrazoar, juntou outra peça histórica, que foi a segunda sentença, lavrada pelo juiz Jorge Vieira, servindo para explorar a tese do Ministério Público e também as definições do acórdão unânime da Egrégia 1ª; Turma”,acrescentou o juiz Francisco Itamar. Na sequência, o processo teve o cumprimento da execução, com a obrigação de pagar integralmente cumprida, assim como as demais obrigações apontadas pelo Ministério Público. Em outra decisão histórica, o juiz Ricardo Maranhão deferiu a liminar de bloqueio, já em ação cautelar incidental, de mais de R$ 100 mil da Fazenda, para pagar trabalhadores, com base nos autos de infração lavrados pelo Grupo Móvel do MPT, no município de Piçarra, no sul do Pará.

Fonte: Revista Proteção

Por |2013-05-20T09:01:12-03:0020 de maio de 2013|Notícias|