Em SC, arquivos contaminados são restritos a funcionários

Em SC, arquivos contaminados são restritos a funcionários

Data: 11 de fevereiro

Joinville/SC – O prédio instalado às margens da avenida Hermann August Lepper, sombrio ao primeiro olhar, passa despercebido pela maioria dos pedestres e motoristas joinvilenses que por ali transitam diariamente. Mas o Arquivo Histórico de Joinville (AHJ) guarda uma história peculiar. A pequena e estreita sala do segundo andar do prédio abriga estantes carregadas de documentos embalados em papel pardo, identificados por data e nome.

Exemplares dos jornais “A Notícia” datados de 1955 e do extinto “Kolonie Zeitung”,um dos primeiros jornais da região norte catarinense, são os primeiros que a vista alcança ao se abrir a porta. São folhas, páginas, carregadas de histórias, palavras, lembranças e vestígios de dicloro-difenil-tricloroetano, o DDT.

O inseticida organoclorado foi aplicado nos documentos do arquivo de 1972 até 1986, para evitar que fungos e pragas danificassem os materiais. Na época, o AHJ não possuía sede própria e funcionava na Biblioteca Pública. O pó químico era muito utilizado na década de 70, não apenas no Brasil, pois ainda não se sabia dos efeitos provocados ao meio ambiente.

A partir de 1986, os sintomas começaram a surgir. O inseticida não era mais aplicado, mas as reclamações dos funcionários surgiam esporadicamente. O estopim deu-se em 2001, quando o sistema de climatização do AHJ apresentou problemas e as reclamações de náuseas, tonturas e dores de cabeça tornaram-se constantes.

Um laboratório foi chamado para fazer análise do ambiente e constatou a presença dos isômeros alfa, beta e gama de BHC e DDT. O odor das substâncias não foi notado devido ao sistema de refrigeração do ar.

Material isolado

Análises por amostragem foram realizadas nos documentos para verificar o nível da contaminação dos arquivos, inclusive os que deram entrada no acervo após a interrupção do uso dos inseticidas. Era preciso analisar se havia contaminação por proximidade entre os documentos, que foi descartada.

Os arquivos contaminados foram isolados e, no ano seguinte, em 2002, foi criada a Comissão Multidisciplinar para elaborar um plano de ação para o tratamento e liberação do acervo. Durante o período de análises, todos os funcionários do AHJ realizaram exames laboratoriais. Eles fazem acompanhamento até hoje.

“Era um problema grave não apenas para o acervo, mas para a saúde das pessoas”,afirmou a especialista cultural, preservadora e restauradora Gessonia Carrasco, que atua no AHJ há 29 anos.

Na época, o caso teve repercussão em todos os setores do governo, despertando interesse e preocupação com a saúde e a salubridade dos funcionários. De acordo com Gessonia, todos receberam acompanhamento e apoio, inclusive a doação de dois freezers de uma empresa local, até hoje utilizados para eliminar pragas de arquivos.

A especialista explica que os arquivos contaminados foram embalados em material especial e realocados em uma das duas salas de depósitos do acervo do prédio. O local, assim como o prédio, precisa de climatização. Os filtros do condicionador de ar da sala são levados para análise periodicamente, para verificar se há contaminação.

Contato, só com proteção

O manuseio dos documentos contaminados do Arquivo Histórico de Joinville (AHJ) é restrito a funcionários, que só podem ter contato com o material com o uso de equipamentos de proteção individual, roupa especial, máscara e luvas. De acordo com a restauradora, o arquivo corresponde a 5% do volume total do AHJ. “Não é um volume grande, mas são documentos de extrema importância para a cidade”,revela.

Gessonia Carrasco é uma das poucas pessoas que podem ter acesso a estes documentos. No ano passado, o plano de ação foi colocado em prática para realizar a digitalização de todo o arquivo contaminado, para que o público possa ter acesso.

Para que seja efetivo, a equipe precisa de todo o material de segurança e tecnologias, que aos poucos são comprados, como a mesa de fluxo laminar, EPIs e câmera fotográfica, com o apoio da Prefeitura e de recursos do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec).

Com todos os equipamentos à disposição, a equipe de duas restauradoras estima que a conclusão da digitalização seja concluída em até dois anos. Alguns documentos já foram descartados, como os diários oficiais, e encaminhados para o aterro industrial.

A equipe do acervo fez uma pesquisa e verificou que não havia a necessidade de arquivá-los, e então foi realizada a limpeza mecânica, para retirada do pó químico. Os papéis foram embalados e descartados. Isso explica os dois contêineres dispostos atrás do prédio. é ali que ficam temporariamente os arquivos infectados, até que a empresa vá recolhê-los.

Estudo pode ajudar AHJ

A contaminação por inseticidas também atingiu o mobiliário do Museu de Berlim, na Alemanha. Em contato com profissionais do museu, Gessonia Carrasco descobriu que existem pesquisas na área de descontaminação, com resultados positivos.

Ao explicar o caso do AHJ, os especialistas demonstraram interesse em investir em estudos específicos em base de papel. Outra possibilidade apontada por ela é a parceria com alguns cursos da Udesc de Joinville, para iniciar pesquisas de estudo de caso. Mas, por enquanto, são apenas possibilidades.

O atual diretor executivo da Fundação Cultural de Joinville (FCJ), Joel Gehlen, acredita que a medida imediata é a digitalização de todos os arquivos, para que os pesquisadores e a população tenham acesso aos documentos. “Os convênios com as instituições de ensino e pesquisa são um caminho, mas não há nada concreto por enquanto”.

A poucos passos do início do fim de um problema de décadas, outros projetos positivos prometem enfatizar a relação de importância do AHJ e a cultura dos pesquisadores. A partir deste ano, será montado um espaço para exposição cultural, ideia idealizada em 2012, durante o 40º aniversário do Arquivo, além da continuidade dos projetos educativos com estudantes das redes de ensino de Joinville.

Uso de substância era comum

O DDT era muito utilizado na década de 1970, porque era eficaz contra insetos e pragas em residências e lavouras, segundo informações da Anvisa. No Arquivo Histórico, o inseticida foi utilizado para proteger os documentos até 1986, ano em que ocorreu a mudança do acervo para o prédio atual.

No Brasil, o DDT foi proibido para o uso agrícola em 1985 e, em 1998, foi banido para uso, por meio de campanhas de saúde pública. No entanto, apenas em 2009 foi aprovada a Lei 11.936/09, pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, proibindo a fabricação, importação, exportação, manutenção em estoque e comercialização e uso do DDT.

Fonte: Revista Proteção

Por |2013-02-14T10:22:22-02:0014 de fevereiro de 2013|Notícias|