A saúde a um toque dos dedos

A saúde a um toque dos dedos

Data: 9 de abril de 2012

Mônica Tarantino e Monique Oliveira

Sem saber, o epidemiologista bengalês Alain Labrique foi um dos pioneiros de uma revolução em curso na medicina que mudará para sempre a forma como médicos e pacientes gerenciam a saúde. Quando voltou dos Estados Unidos para Bangladesh, sua terra natal, em 2001, para coordenar um programa de prevenção de infecções em mulheres durante a gestação, o médico não conseguia sequer fazer uma ligação telefônica. “Levava um dia inteiro para falar com algum serviço médico central”, contou à ISTOé.

Em Bangladesh, mais de sete mil gestantes morrem anualmente em decorrência de infecções que poderiam ser tratadas no pré-natal. “Elas moram em regiões precárias, de difícil alcance, sem condições de higiene, com serviço de saúde praticamente inexistente”, relatou. Com tamanha dificuldade, Labrique percebeu que apenas ajuda médica seria insuficiente. Era urgente criar um sistema para saber quantas mulheres necessitavam de auxílio e o que era preciso para atendê-las com rapidez e provê-las com informações básicas. Com a chegada do celular ao país em 2004, Labrique testou o “M-Labor”, processo de envio de mensagens que, em um teste, ajudou 500 mulheres a saber o que fazer na hora do parto.

Em 2011, já com os smartphones, o projeto evoluiu para o aplicativo “M-Care”. Nele, membros da comunidade inserem quem são as mulheres e quais problemas enfrentam. Também trocam mensagens com os médicos e recebem orientações de como agir. A equipe fica de sobreaviso e, numa situação de emergência, é acionada com rapidez. O sistema ajuda ainda a elaborar dados para o desenvolvimento de programas para diminuir a alta mortalidade entre mulheres. Com ele, foi possível chegar a tempo a 89% dos nascimentos e evitar infecções prévias em 65% dos casos – antes, apenas 12% das mulheres tinham acesso a serviços médicos.

Com seu projeto, Labrique, na verdade, está fazendo parte da m-Health, um jeito novo de prestar e receber serviços dirigidos para a construção de uma vida saudável com base no uso de aparelhos portáteis de comunicação. O termo é a sigla, em inglês, de mobile health. Em português, quer dizer saúde móvel. Na prática, significa exatamente isso. Apenas com um smartphone ou um tablet na mão, hoje é possível fazer diagnósticos, registrar indicadores como taxa de açúcar no sangue ou nível de pressão arterial, conter um surto de ansiedade ou traçar um plano personalizado de treinos físicos, por exemplo, não importa o lugar onde se esteja. E com os mesmos aparelhos, as informações podem ser compartilhadas com quem for necessário. O paciente pode mandá-las para o médico, o m&eacut e;dico para o paciente, o professor de medicina para o estudante, o médico para outro médico em busca de mais uma opinião. Enfim, é a saúde móvel, e a um toque dos dedos.

Para proteger os portadores da ¬doença de Alzheimer, que traz enorme confusão mental, há opções como o Simap, criado pela Vodafone e a Cruz Vermelha da Espanha. O aplicativo grava a posição geográfica do paciente a cada três minutos e a informação é enviada a médicos e familiares em tempo real. Se o indivíduo ultrapassar uma área predeterminada, o celular do paciente e dos familiares soa um alarme.

No fitness, a variedade é igualmente ampla. “Há desde aqueles que verificam se há academias nas redondezas até os que permitem trocar informações sobre treinos nas redes sociais”, diz Bruno Franco, coordenador de inovação do Grupo Bodytech. Na área de nutrição, há softwares que possibilitam a obtenção das informações nutricionais dos produtos a partir da leitura do código de barras do rótulo. Para os interessados em bem-estar encontram-se alternativas que ensinam ioga e meditação e até acordam o usuário na fase mais leve do sono, a mais propícia para o despertar.

Em vários casos, há um casamento dos aplicativos com outras tecnologias. O objetivo, na maioria das vezes, é usar os tablets ou smartphones para captar imagens ou indicadores como pressão arterial e batimentos cardíacos e encaminhar os dados para o médico. Muitas dessas opções estão sendo usadas por portadores de doenças crônicas. Há, por exemplo, sistemas indicados para os diabéticos, que necessitam acompanhar as oscilações das taxas de açúcar no sangue (glicemia). Em Minas Gerais, está em teste um dispositivo no qual o paciente insere os números das medições automaticamente no aparelho. Depois, basta colocá-lo na tomada para que os dados sejam enviados para o computador do médico. “Avaliamos, em tempo real, o que está acontecendo e se for preciso ajustamos as medicações”, diz o endocrinologista Gustavo Penna, criador do sistema.

Iniciativas como essas estão mostrando eficiência. Um estudo com 163 pacientes acompanhados na Universidade de Maryland (EUA) revelou que os que usaram aplicativo criado pela instituição para monitorar a glicemia reduziram a glicemia em quase dois pontos quando comparados aos que não utilizaram a novidade. “Dizemos aos pacientes que eles podem controlar a doença com exercícios físicos, medicamentos e dieta”, diz a epidemiologista Charlene Quinn, que comandou a pesquisa. “Agora, o sistema o ajuda a acompanhar como isso acontece.”

Entre os recursos para diagnóstico está um acessório que, acoplado ao smartphone, vira um aparelho de ultrassom. Além de realizar imagens de um feto, ele localiza aneurismas abdominais e pedras nos rins. “Estamos buscando autorização para comercializá-lo em outros países, inclusive o Brasil”, disse à ISTOé David Mazar, CEO da Mobisante, empresa que criou o produto.

Uma das maiores vantagens de sistemas como esse é possibilitar o diagnóstico a distância. Uma iniciativa que aproveitou bem esse potencial é o EyeNetra, aparelho que, ligado ao celular, calcula o grau de miopia ou astigmatismo e avalia a presença de catarata. Desenvolvido pelo indiano Ramesh Raskar, do Massachusetts Institute of Technology (EUA), e pelo brasileiro Vitor Pamplona, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o equipamento foi testado em Teresina e em Porto Alegre. “Ele permite fazer diagnósticos em áreas remotas”, diz o oftalmologista Paulo Schorr, vice-presidente do Instituto da Visão, da Universidade Federal de São Paulo. “E o sistema é tão eficaz quanto os testes convencionais”, assegura Pamplona.

Aplicativos específicos para médicos, com informações sobre doenças e remédios, por exemplo, também estão ajudando a melhorar o sistema de saúde. No Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, há um mês foram distribuídos 48 iPads a residentes. Nos tablets, há aplicativos como o Up to Date, por meio do qual os jovens médicos ficam sabendo das novidades em tratamentos. “Vemos tudo o que sai de novo, o que está em teste”, explica Miguel Nassif, um dos que receberam o tablet. “é uma biblioteca que levamos para onde quisermos. Tem acesso fácil a conteúdo confiável e atualizado.”

Na Universidade de Chicago (EUA), um levantamento com 115 residentes mostrou que 90% usam tablets constantemente em consultas e 78% acreditam que a tecnologia os torna mais eficientes. “A tecnologia agiliza o trabalho desses médicos, que precisam coletar e acessar informações em um curto espaço de tempo”, diz Christopher Chapman, chefe de residência da instituição americana.

Entre os profissionais mais tarimbados, consultar o smartphone ou o tablet também virou parte da rotina. O cardiologista Múcio Oliveira, diretor de emergência do InCor, usa o Epocrates (tem dados de doenças, drogas e exames) e um aplicativo que faz cálculo de risco, o Qx Calculate. “Ele ajuda a tomar decisões.”

Embalado pelo potencial da nova área, o médico residente Ricardo Maranhão, do Recife, criou um aplicativo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças, conhecida como CID-10. Foi por meio desse recurso, com mais 50 mil downloads, que o Conselho Federal de Medicina o contatou para desenvolver o Código de ética Médica e o Diretrizes do Crack, que auxiliará no atendimento a dependentes. “Fiz esses aplicativos pensando na minha necessidade e eles tiveram um alcance que eu não imaginava”, contou.

O aplicativo Medicamentos de A a Z – que reúne 500 medicamentos com informações que incluem preço, nomes comerciais, genéricos e posologia -, da empresa Touché Mobile, também é um sucesso entre os médicos e pacientes, registrando mais de 40 mil downloads. “Ele é útil porque agiliza a comparação de preços e informações, que ficam disponíveis lado a lado na tela”, afirma Roberto Colnaghi, dono da empresa.

A força do fenômeno está fazendo com que universidades no mundo todo comecem a construir centros especializados em m-Health, de olho em um futuro promissor. Um estudo da Associação Internacional de Operadoras de Celular prevê, por exemplo, que a saúde estará totalmente integrada à tecnologia móvel em 2027, gerando um mercado de mais de US$ 23 bilhões. No Vale do Silício, berço de empresas como o Google, foi inaugurado o Centro de Computação do Corpo na Universidade do Sul da Califórnia. A parceria já rendeu aplicativos promissores. Um deles possibilita que os usuários verifiquem sua capacidade respiratória ao soprar no microfone do smartphone – é indicado para quem tem doenças respiratórias.

No Brasil, a Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo, acaba de criar o Centro Interdisciplinar de Tecnologias Integrativas. Ali, 60 estudantes de vários Estados do Brasil estão criando o futuro. “Muitos projetos estão a caminho”, diz o coordenador Marcelo Zuffo. Um deles é o desenvolvimento de roupas com sensores que registram sinais a serem transmitidos em tempo real a centrais médicas. “A proposta é que os doentes sejam monitorados por sensores de temperatura”, diz Adilson Hira, gerente de projetos do laboratório. Trata-se de um artefato que poderá ajudar, por exemplo, a identificar sintomas iniciais de infecções em crianças em tratamento contra o câncer – infecções estão entre as principais ameaças de morte imediata a esses pacientes.

O uso de recursos do gênero está mudando tanto a face da medicina que despertou uma discussão interessante. Por conta do que oferecem aos pacientes, há quem argumente que os sistemas da m-Health sejam uma espécie de “remédio”. Não é à toa que, nos Estados Unidos, eles já estão na mira do FDA. “Talvez seja com alguma surpresa que desenvolvedores verão que nos próximos anos muitos de seus aplicativos terão de ser aprovados pelo FDA antes de serem comercializados”, diz um documento publicado pela instituição no fim de 2011. No Brasil, porém, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ainda não prevê regulação sobre o setor.

Laqueadura sem corte
Método em teste no Brasil garante esterilização irreversível sem a necessidade de cirurgia e é feito em somente cinco minutos
Monique Oliveira

Um procedimento de esterilização feito sem cortes e em apenas cinco minutos está em teste no Brasil. Concebido como uma alternativa à cirurgia de laqueadura, o método é uma opção para portadoras de doenças cardíacas graves, para quem tanto a cirurgia quanto a gravidez sobrecarregariam o coração. Elas também não podem tomar anticoncepcionais (os hormônios desses remédios representam risco para elas).

A técnica consiste na colocação, pela vagina, de um aparelho feito de titânio e níquel – chamado Essure – projetado para ser introduzido nas trompas. Após três dias, forma-se uma fibrose, espécie de reação de rejeição ao corpo estranho presente na trompa. Ela acaba funcionando como um obstáculo que impede o óvulo de alcançar o local onde se encontraria com o espermatozoide.

O implante está em testes em hospitais públicos de referência em saúde da mulher do Rio de Janeiro e de São Paulo (em algumas instituições particulares do País, já está disponível). “A eficácia da esterilização é de 90%”, explica Paulo Olmos, chefe do serviço de Reprodução Humana do Hospital Brigadeiro, em São Paulo. E também é irreversível. “A mulher só poderá engravidar por meio de fertilização in vitro (junção de óvulo e espermatozoide em laboratório)”, explica o ginecologista Luciano Gibran, do Hospital Pérola Byington, em São Paulo.

A vendedora paulistana Viviane Brito, 24 anos, submeteu-se ao procedimento. Ela nasceu com uma cardiopatia que impede o sangue bombeado do coração de chegar aos pulmões. Casada há um ano, Viviane engravidou acidentalmente, mas teve de interromper a gestação para que seu coração não fosse sobrecarregado. “Passei muito mal”, conta. “Não quero sofrer novamente.”

Os especialistas acreditam que o método tem bom potencial para ser usado em programas de planejamento familiar. “Sua adoção diminuiria a fila de espera para a laqueadura”, diz o médico Olmos. A Conceptus, fabricante do aparelho, já está em negociação com o governo brasileiro. “Estamos conversando sobre a possibilidade de ampliar os testes em outras instituições públicas”, disse à ISTOé Spencer Roeck, presidente da companhia.

Padres no divã
Sacerdotes recorrem à terapia ou a clínicas especializadas para tratar de males como depressão, alcoolismo e estresse
Rodrigo Cardoso

Sentado na ponta do banco da igreja praticamente vazia, o pároco passa a tarde com a “Bíblia” aberta sobre o colo, prestando atendimento aos fiéis. Cada palavra sussurrada ecoa pelo templo desocupado. São histórias de aflição, angústia, medo e dor de pessoas que enxergam, na figura do sacerdote, o lenitivo para seus males. Dele se espera a palavra certa, o conforto imediato, a esperança revigorante. O ofício de se ocupar dos outros é feito de graça, mas tem um custo alto. E tanta responsabilidade às vezes cobra seu preço. Muitos padres vão além dos seus limites, na ânsia de se doar, o que os faz mergulhar num mar de angústias que não há consulta com bispo ou oração que surta efeito. Por isso, a Igreja Católica tem pedido socorro à ciência e encaminhado muitos de seus servos para a terapia.

A questão dos padres e suas aflições de alma têm preocupado tanto a Igreja Católica que a delicada questão foi tema de um congresso, batizado Padre no Divã: Conforto e Desconforto no Trabalho Pastoral, no Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Salesiana, em Roma, na Itália, no mês passado. “Levar a sério o sofrimento psíquico de quem trabalha na pastoral deve fazer parte de uma responsabilidade comum, que também envolve leigos”, disse o padre italiano Giuseppe Crea, que participou do evento. No Brasil, há centros especializados em tratar esses religiosos. Um deles é o Instituto Acolher, de São Paulo, que tem como um dos professores o psicoterapeuta ênio Brito Pinto, autor de “Os Padres em Psicoterapia – Esclarecendo Singularidades” (Ideias & Letras). “O padre suporta o sofrimento até um limite de muita dor e só então mostra que necessita de ajuda”, afirma. “Ele é educado para não reconhecer limites, o que é uma das falhas da sua educação.” Com 30 anos de experiência em consultório e atendimento prestado a cerca de 100 padres, o autor descreve 12 temas que permeiam o tratamento dos homens de batina. As queixas (leia quadro), só para citar uma peculiaridade, nunca são expressas apenas por eles – o superior hierárquico também se manifesta, quer dar informações e receber orientações do psicoterapeuta. Procedimento que torna o processo semelhante à terapia de crianças e adolescentes, na qual os pais fazem parte do trabalho.

Responsável pela paróquia Santo Antônio, em Brejões, na Bahia, o padre Antônio Tourinho Neto, 48 anos, recebeu o apoio do bispo ao decidir se afastar de suas funções, depois de viver uma situação traumática em 2000 e passar um mês na unidade de Sergipe da Fazenda da Esperança, uma comunidade terapêutica alternativa que presta assistência espiritual sem abrir mão do auxílio de profissionais de saúde como psicanalistas e psicólogos. Então responsável por outra paróquia, padre Neto prestava atendimento espiritual a um jovem na porta da igreja. Depois de cerca de uma hora e meia de desabafo, ele viu seu interlocutor sacar uma arma e anunciar que iria se matar.

O sacerdote ainda trocou algumas palavras com o rapaz antes de ele apertar o gatilho e se suicidar. “O choque me pôs em angústia profunda, passei a questionar o porquê de Deus permitir aquilo e fiquei decepcionado com o sacerdócio”, diz Neto. O estresse e o transtorno psicológico do pároco foram tratados por meio de conferências com um psicanalista e terapia em grupo, entre outras atividades. “Entrei lá fraco e abatido e saí forte e gordo”, afirma.

A Fazenda da Esperança, presente também em outros dez países, tem nos dependentes de drogas o seu público-alvo, mas cerca de 3% de seus pacientes são religiosos. Hoje, um de seus missionários, o padre tailandês Dekson Teope, 34, passou um ano em tratamento por conta do alcoolismo. “Cheguei a ponto de celebrar bêbado”, diz ele, que foi proibido de rezar missas. O padre Teope, porém, encarou o tratamento, livrou-se do vício e, hoje, celebra em uma comunidade brasileira da Fazenda. “Por trabalhar muito, os sacerdotes têm suas relações interpessoais prejudicadas, ao mesmo tempo que lidam mal consigo mesmos. Muitos sucumbem ao alcoolismo ou vivem crises de mau humor”, afirma o psicoterapeuta Pinto.

Temas relacionados à sexualidade também são recorrentes – e espinhosos – durante as sessões. “Em terapia, é bastante comum o padre contar sobre experiências sexuais que já teve, desde namoricos até propriamente relações sexuais”, diz Pinto. Por outro lado, há ainda em grande escala tentativas moralistas de se lidar com o celibato. Isso ocorre quando pacientes apontam a sublimação da sexualidade como uma das saídas para a obrigatoriedade da castidade. “Afetos reprimidos ou supostamente sublimados não são afetos integrados”, escreve Pinto em “Os Padres em Psicoterapia…”. “Por causa disso, tendem a provocar sofrimento e crises de saúde física ou emocional, ou uma vida de aparências, com práticas sexuais escusas, culposas, dissociadas.” Representantes de Deus na Terra para os católicos, mas humanos e, portanto, falíveis e imperfeitos, os sacerdotes tornam-se pessoas melhores quando não esperam a ajuda vir do céu e encaram o diálogo entre a psicoterapia e a religião.

Fonte: Isto é

Por |2012-04-10T09:06:49-03:0010 de abril de 2012|Notícias|