Profissionais vigiados e seguidos por empresas sentem-se invadidos

Profissionais vigiados e seguidos por empresas sentem-se invadidos

Data: 23/01/2012

Duas palavras são usadas para descrever a sensação de ser investigado pela empresa: temor e humilhação.

Erivaldo Lima, 42, define como “revoltante” a audiência na Justiça na qual descobriu que havia sido investigado pela Ultragaz, companhia em que trabalhou. Afastado por problemas de saúde – ele não tem movimento no pulso esquerdo –, foi demitido por justa causa sob a alegação de que tinha outra ocupação. Como prova, a companhia apresentou uma testemunha: um detetive. Ele afirmou que Lima trabalhava em casa, em um comércio de bujões de gás. “Não moro lá desde 2004”, rebate o ex-funcionário, acrescentando que a venda pertence a sua ex-mulher. Condenada a pagar 20 salários mínimos por danos morais, a Ultragaz deve recorrer.

Douglas Giovanninni, gerente da empresa, diz que a investigação “é única opção nesses casos”. Para Lima, a atitude é uma invasão e um absurdo.

A especialista em comércio exterior Catia Callagher, 41, considera a experiência de sentir-se vigiada aterradora. Em seu último emprego, diz ter visto a troca de e-mails entre um diretor e seu chefe, que pedia para contratar um investigador. Para Callagher, era dela que falavam.

“Não posso provar que um detetive me seguiu. Mas essa ideia me aterrorizou.” Ela trocou de carro com o marido, mudou de telefone e, ao sair, processou a empresa. O advogado da companhia Ruben Viegas diz que as mensagens eram de natureza familiar. A Justiça considerou impossível relacionar os e-mails à profissional.

O detetive Marco Aurélio de Souza, 46, afirma não considerar o monitoramento ruim para o investigado. “[O funcionário que não fez nada de errado] vai sentir-se até bem, porque a palavra dele foi comprovada”, diz.

à espreita

O soldador Paulo Pereira, 42, de Itajaí (a 95km de Florianópolis), no entanto, diz sentir-se humilhado. Em janeiro de 2011, foi perseguido por um homem no seu bairro. A polícia descobriu que era um detetive. O advogado do soldador, Renato Felipe de Souza, conta que, ao ser detido, o investigador disse aos policiais que estava a serviço do estaleiro do qual Pereira estava afastado por doença ocupacional. Na audiência, o detetive invocou a confidência entre cliente e prestador de serviço para não revelar nomes. O juiz entendeu que o estaleiro era o contratante e deu ganho de causa a Pereira.

Justiça

O mecânico Daniel de Freitas dirigia para pegar a filha na escola quando viu que era seguido. Desceu do carro em um semáforo fechado e confrontou os seguidores, que estavam em outro veículo. Tratava-se de uma equipe de filmagem ligada à empresa em que ele havia trabalhado, a águas do Amazonas, de abastecimento de Manaus.

Em litígio com a companhia após ter sido dispensado por justa causa, Freitas dizia-se inválido por causa de uma hérnia de disco e pedia indenização por danos morais e lucro cessante (prejuízo devido do fim de atividade que proporcionava renda).

Depois do incidente na rua, ele entrou com nova ação na Justiça. Queria R$ 100 mil de indenização por violação à intimidade, à vida privada, à imagem e à dignidade. O Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo da Justiça trabalhista, decidiu a favor da águas do Amazonas.
O relator do caso, ministro João Batista Brito Pereira, julgou que “não havia outra forma para “demonstrar a verdade”, a não ser a gravação.

Na sentença, Pereira afirma que as imagens não serviram para ridicularizar Freitas, mas para “promover a defesa de um processo judicial”. O advogado do mecânico, Wiston Feitosa de Sousa, afirma que recorrerá ao STF (Supremo Tribunal Federal).

A águas do Amazonas não se pronuncia oficialmente sobre o caso. Um executivo da empresa, porém, afirmou que foram ex-colegas de Freitas que contaram que “a incapacidade era uma mentira”. Para provar, o antigo funcionário foi filmado em atividades impossíveis para um afastado por invalidez, como carregar galão de água. O executivo diz também que a companhia tem “expertise e estrutura” para detectar fraudes, comuns no abastecimento de água na região.

Fonte: Folha de S. Paulo

Por |2012-01-23T16:28:11-02:0023 de janeiro de 2012|Notícias|