Data: 14/01/2012
Não deu no “New York Times”: o Walmart Brasil desconsidera as políticas de RH adotadas por sua matriz, nos Estados Unidos, em relação a funcionários fumantes, com problemas de peso ou de colesterol alto. A exemplo de 19% dos grandes empregadores daquele país — como informou o NYT recentemente — a companhia anunciou que alguns profissionais da casa vão arcar com parte dos custos do seguro-saúde. Dos que fumam, a maior empregadora americana, que tem mais de um milhão de funcionários, poderá cobrar até US$ 2 mil (R$ 3,6 mil) por ano.
Segundo a reportagem do NYT, a medida faz parte de uma tendência que está crescendo entre as empresas americanas de cada vez mais adotar políticas que punam funcionários com problemas de saúde para reduzir custos. O número de companhias que optam por medidas punitivas dobrou nos últimos dois anos, passando para os 19% de 248 grandes empregadores nos Estados Unidos, conforme pesquisa da Towers Watson. E a expectativa é que a prática dobre novamente este ano.
Duas culturas bem diferentes
Mas seria essa a forma adequada de promover a saúde e a qualidade de vida dentro do ambiente de trabalho? No Brasil, mesmo multinacionais rejeitam o modelo de punição e incentivam o bem-estar, através de programas que ajudam a parar de fumar e a emagrecer. O próprio Walmart nacional informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não segue a iniciativa americana, que seria nova e implementada por outros grandes empregadores como Pepsico e Home Depot.
No entanto, nessa análise, é importante considerar as diferenças sociais, culturais e econômicas entre Brasil e Estados Unidos, sugere Marcia Bandini, diretora de divulgação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).
— Lá não existe um sistema de saúde pública financiado pelo governo, como aqui existe o Sistema único de Saúde (SUS). Lá, os empregadores contratam um seguro-saúde que funciona como um seguro de carro. Então, pensando com a cabeça americana, faz sentido que um fumante, que adoece mais e custa mais para a empresa, pague mais por esse seguro. é a lógica do sistema capitalista — diz Marcia.
Só que isso não significa dizer que, em matéria de incentivo à qualidade de vida, cobrar mais de quem tem um problema de saúde, como obesidade ou vício em nicotina, seja uma medida eficaz.
— No caso de quem está acima do peso, essa pressão financeira pode acabar tendo o efeito contrário — pondera a diretora da Anamt.
— Acredito que esse tipo de postura não funciona muito bem. Você não muda o comportamento em relação à saúde com punição — defende Lucio Ribeiro, coordenador do serviço de saúde da Dow Brasil, empresa de serviços químicos que conta com um Programa de Promoção de Saúde – VivaVida, implementado em 1992.
Muito mais que questão física
O VivaVida tem uma programação antitabaco, que oferece apoio individual a quem quer parar de fumar, e conseguiu reduzir o percentual de tabagistas na empresa de 24% (em 1995) para 5,6% (em 2010). O projeto chegou a ser apresentado como case no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em 2008, além de já ter sido premiado três vezes pela Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV).
— é preciso entender que as questões de saúde não são simplesmente físicas, mas estão ligadas ao contexto social do indivíduo. Não basta exigir que ele largue o cigarro sem tentar entender se ele fuma por problemas de estresse ou familiares — ressalta Ribeiro.
Professor da PUC-MG e co-autor do livro “Estresse Ocupacional” (Campus/Elsevier), Henrique Maia Veloso diz que nos EUA, muito mais do que no Brasil, existe um processo de valorização dos aspectos individuais e responsabilização do indivíduo sobre questões que, muitas vezes, podem ser de natureza mais coletiva.
— Tais práticas, em nossa realidade, em função de diversas características culturais, podem ter pouca efetividade e gerar um grande desconforto no ambiente organizacional — considera Veloso.
Saúde premiada com ingressos
Em vez de punir maus hábitos, o grupo EBX adota um sistema que premia os participantes do “Viver Bem”, implementado em 2010. O funcionário que aderir, voluntariamente, recebe uma cartela de 40 pontos. Ginástica laboral, acompanhamento nutricional e corrida estão entre atividades que valem pontos. Quando completa 40, o colaborador ganha um par de ingressos de cinema.
— As entradas viram uma meta, e isso estimula — acredita Samanta Pereira, gerente geral de Recursos Humanos do grupo EBX.
Conceder benefícios a quem tem melhor desempenho cuidando da saúde é política adotada também pela Chemtech, empresa de engenharia do Grupo Siemens. A companhia já realizou duas edições do programa “Perder para ganhar”, que oferecia acompanhamento semanal e avaliação de peso e medidas. Os 15 melhores colocados foram premiados com um dia no SPA, um mês gratuito em uma academia e vale-compras em uma loja, entre outros.
— Os prêmios servem como incentivo. Descontar um valor do plano de saúde pode deixar o funcionário frustrado ou até fazer com que ele se sinta desrespeitado — acredita Daniela Galo, gerente-geral da Chemtech, para quem o investimento financeiro no bem-estar dos trabalhadores é algo que compensa. — A satisfação dos funcionários se reverte para a empresa muito positivamente. Eles trabalham melhor e se comprometem mais. é um fator de retenção de talentos.
Marcia Bandini, diretora de Divulgação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), enxerga com muito mais simpatia os modelos que premiam os esforços dos empregados em vez de puni-los, mas alerta para um risco:
— é preciso ter cuidado para não criar um sentimento de competição, especialmente no que se refere à perda de peso. Não se deve pressionar a pessoa a que ela vá mais rápido do que a saúde dela permite.
O Itaú-Unibanco tem uma série de programas voltados à promoção da saúde e do bem-estar, mas não adere à filosofia da premiação — e nem à da punição. Desde 2006, promove o “Quero parar de fumar”, que oferece consultoria individualizada e em grupo e fornece gratuitamente medicamentos a quem deseja largar o cigarro — o que já deu certo com 450 funcionários. A empresa ainda custeia parte da mensalidade do programa “Vigilantes do peso”, entre outras medidas.
— é mais eficaz educar e prevenir do que condenar hábitos — acredita Agnelo Dias, superintendente de Saúde Ocupacional do banco.
Fonte: O Globo