Mais qualidade na formação e valorização dos TSTs

Mais qualidade na formação e valorização dos TSTs

Data:23/12/2011

Ano de 1975. Um jovem de 19 anos, do interior, veio realizar o sonho de construir sua história na cidade grande. Logo conseguiu emprego em uma fábrica na cidade de São Paulo e passou a exercer a função de ajudante de operador de máquina. O sonho, no entanto, esbarrou em um acidente de trabalho. Certo dia, o responsável precisou ir ao banheiro e deixou o rapaz operando o equipamento. A luva dele enroscou na máquina, e ele perdeu um dedo. Naquele ano, o Brasil chegou a ter cerca de 1,9 milhão de acidentes de trabalho. Histórias como essas se repetiam, com menor ou maior gravidade, mudando o rumo de vida dos trabalhadores.

No caso deste acidentado, ele foi socorrido, ficou afastado e 30 dias após a reintegração ao trabalho, pediu demissão. O supervisor de segurança na época, Armando Henrique, tentou convencer o trabalhador a permanecer na empresa. Não adiantou. Chorando, o rapaz revelou que passados oito meses do acidente, ainda não havia tido coragem de escrever uma carta contando para a mãe o ocorrido. Desiludido, queria voltar para o campo e ficar junto da família.

“Vi o quanto eu podia contribuir para a vida das pessoas fazendo Segurança do Trabalho. Ele saiu da empresa e nunca mais tive notícias. Nós que ficamos fizemos um trabalho que revolucionou a parte da segurança da empresa. Comecei em uma época em que não sabíamos se fazíamos prevenção ou se socorríamos os acidentados. Trabalhei em indústria que tinha índice de 10% de acidentes e conseguimos baixar para 1%.

No país, de cada 100 trabalhadores, 17 se acidentavam. Hoje, a média é de 2,5. Houve uma evolução, e o SESMT teve papel decisivo nessa redução”, relembra o técnico de segurança Armando Henrique, que hoje é vice-presidente da Fenatest (Federação Nacional dos Técnicos de Segurança do Trabalho).

A própria criação do SESMT e a instituição dos profissionais de segurança foi uma resposta a essa alta taxa de acidentalidade. Nos anos 70, o Brasil foi considerado campeão mundial em acidentes do trabalho. Foi quando a pressão internacional fez o governo federal agir. O Ministério do Trabalho publicou duas portarias para mudar o rumo dessa tragédia: a 3.236 e a 3.237, no dia 27 de julho de 1972. Assim, instituiu o Plano Nacional de Valorização do Trabalhador, que tinha entre as metas, a preparação de profissionais de nível superior e médio para atuar no controle da Segurança e Higiene do Trabalho. Um deles era o inspetor de segurança, que depois ganhou a denominação de supervisor de segurança, hoje correspondendo ao técnico de segurança. Também se criou o SESMT – Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho.

“Com uma carga horária inicial de 120 e depois de 240 horas de formação, muito deixava a desejar a capacitação desses soldados de infantaria, para enfrentar um inimigo tão poderoso e sinistro como o acidente do trabalho, considerando-se ainda ser uma área com pouco domínio de conhecimento”, avalia o técnico de segurança Sebastião da Silva. Por isso, em 1975, discussões junto ao Conselho de Educação Federal e iniciativas em São Paulo e Pernambuco já começaram a desenhar uma formação de 900 horas mais estágio. Nesse período a legislação em Segurança do Trabalho também foi construída, o que se efetiva com a publicação da Portaria n° 3.214, que instituiu as NRs (Normas Regulamentadoras) em 8 de junho de 1978.

A regulamentação profissional nas configurações atuais, no entanto, vem apenas com a Lei Federal nº 7.410, de 27 de novembro de 1985, e o Decreto n.º 92.530, de 9 de abril de 1986. Estava, assim, criada a profissão de técnico de Segurança do Trabalho. Mais adiante, em 21 de setembro de 1989, a Portaria n.º 3.275 fixou as principais atividades desse profissional. Essas conquistas, na avaliação de Sebastião da Silva, ocorreram em grande parte pela mobilização da categoria. Foram frutos de debates, seminários, articulações políticas e cobranças para se ter respaldo nas questões de segurança e saúde dos trabalhadores. Esse profissional deve “defender a integridade humana e proporcionar a melhoria contínua da qualidade de vida no meio ambiente de trabalho. No passado, o cumprimento das normas era objetivo fundamental. Hoje a Segurança e Saúde do Trabalho transcendem a visão tecnicista, obrigando o profissional prevencionista a ter um olhar mais abrangente, considerando as questões econômicas, sociais e ambientais, e a trabalhar a prevenção na forma de gestão, lembrando sempre que o fator humano é a chave principal do sucesso nesse processo”, completa Sebastião da Silva, diretor do Sintesp, que começou sua atuação na área nos anos 70.

“Há muita diferença. O inspetor de segurança era o `anjo da guarda’ dos trabalhadores. Hoje é um trabalho em equipe, articulado, de gestão. é o profissional que promove a Segurança e Saúde no Trabalho. A qualificação melhorou, e a tecnologia também. Temos excesso de informação, o que não havia antes, e precisamos saber filtrar”, ensina Gustavo Estevão, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Campus de Recife, primeira escola a oferecer a formação técnica de Segurança do Trabalho no Brasil, em 1975.

Educador
A Portaria 3.275 estabelece as atividades do técnico de Segurança do Trabalho. Os primeiros itens estabelecem o dever profissional de informar tanto o empregador, por meio de parecer técnico, quanto os trabalhadores sobre os riscos e orientar quanto às medidas para eliminá-los. Para tanto, é preciso analisar os processos de trabalho e identificar os fatores de riscos de acidentes e doenças do trabalho. Também cabe ao técnico executar medidas de segurança e programas de prevenção com a participação dos trabalhadores. Avaliar os resultados, promover a capacitação do trabalhador e orientar terceiros quanto à SST são outras atribuições.

Na avaliação do presidente do Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho do Estado de Santa Catarina (Sintesc), João Carlos Figueira, o papel do técnico não é de fiscalizador. “A Portaria 3.275/89 é clara quanto aos parâmetros da profissão e atribui basicamente aos TSTs, o papel de educar, instruir e treinar. O entendimento disto por parte dos técnicos de segurança se faz necessário para que entendamos que nosso papel fundamental nas empresas é sermos educadores, tanto de empregadores quanto dos trabalhadores. é para isto que nos contratam e isto traz resultados efetivos a curto, médio e longo prazo. Sem isto não se consegue `aplicar prevenção’ no mundo do trabalho”, defende o sindicalista de Santa Catarina.

Soluções
O técnico de segurança também deve saber solucionar questões ligadas à segurança e saúde. “Precisa ser uma pessoa dinâmica, antenada com a atualidade, que busque conhecimento constante para o aperfeiçoamento e a atualização profissional. Além do conhecimento técnico, precisa estar atenta às necessidades das empresas e dos trabalhadores para evitar o acidente de trabalho. Eu diria que o mais importante é resolver os problemas e fazer a prevenção”, diz o coordenador da área de Segurança e Saúde do Trabalho do Senac Presidente Prudente, Antonio Tadeu da Costa.

Sebastião lembra de uma história que ilustra bem essa capacidade de solucionar que é requerida ao técnico: “Fui questionado, certa vez, por um gerente, para uma decisão rápida, por questão de logística, para a retirada de uma máquina com peso superior a três toneladas. Ele queria saber se poderia utilizar um gancho metálico fixado no piso do setor de produção, como apoio para instalar um tifor (equipamento de tração que funciona por meio de alavanca e cabo de aço) e remanejar a máquina para uma área inferior. Argumentei que sem uma avaliação da resistência desse gancho, sujeito à variação de temperatura (quente e frio), ficaria impossível liberar a execução do trabalho. No entanto, devemos buscar alternativas seguras. Então sugeri que se fixasse outro ponto apoio com cabo de aço, regulado por outro tifor, envolvendo uma coluna de concreto, além daquele ponto do gancho metálico. A operação foi realizada com sucesso e segurança para todos”, conta.

Diálogo
Outro aspecto necessário é o diálogo com os trabalhadores, o que está explicitado na Portaria 3.275: “Executar programas de prevenção de acidentes do trabalho, doenças profissionais e do trabalho nos ambientes laborais, com a participação dos trabalhadores…” Foi a falta desse diálogo somada a uma vocação às ações prevencionistas que fez Danilo Navarro entrar para a profissão.

Entre os anos de 1989 e 1994, Danilo trabalhava como mecânico de manutenção em uma empresa do ramo petroquímico, que produzia cloro e soda cáustica. Essa produção ocorria por meio de eletrólise, que utiliza como matérias-primas cloreto de sódio (sal) e H2O (água). No processo, que ainda usava o mercúrio como condutor para uma corrente de 13.8 kW, as moléculas eram dissociadas, gerando o cloro e a soda. Como subproduto, resultava o hidrogênio.

A empresa, então, desenvolveu um projeto para aproveitar esse hidrogênio na alimentação do forno que ficava apoiado em cinco colunas com aproximadamente um metro de largura e quatro de altura. Muitos trabalhadores passavam por baixo do forno para cortar caminho e acessar a unidade.

“Apesar de não ser da área de segurança da empresa eu sempre chamava os colegas e solicitava a eles para não passarem por ali, alertando quanto aos riscos. Como os colegas não me davam atenção e ainda me perguntavam se eu era técnico de segurança, resolvi falar com os técnicos da empresa para alertá-los e pedir que tomassem alguma providência”, relata.

Nada foi feito. Os técnicos ainda perguntaram ironicamente onde Danilo havia se formado. Sem obter apoio do setor de segurança e vendo que os trabalhadores continuavam passando pelo local, ele pegou um rolo de fita zebrada e isolou a área. “Já sabendo que eu era o autor da façanha, os técnicos se deslocaram até o meu setor e começaram a falar em voz alta: `Você não tem autorização para isolar nenhuma área ou local da empresa, vá ao local agora e retire imediatamente o isolamento, sua liderança será comunicada e você será punido exemplarmente’. Após essa última frase escutamos uma forte explosão. Corremos para fora da sala e vimos a coluna de fumaça que saía do forno”, relembra.

O cenário era de destruição, apesar de não haver nenhum ferido. Pedaços de concreto, tubulação metálica e revestimento térmico estavam espalhados por todos os lados. As cinco colunas estavam completamente retorcidas. O local foi isolado, todas as providências foram tomadas, e uma investigação, iniciada.

“Esse episódio serve como lição de humildade para alguns colegas, que acham que pelo fato de possuir conhecimento técnico sobre Segurança no Trabalho, não precisam ouvir quem não é da área, muito menos os profissionais com pouca experiência”, reflete Danilo.

Ele acabou sendo convidado a participar da comissão de investigação. Além disso, os trabalhadores conseguiram outra conquista: fornecimento de sucos e bebidas isotônicas duas vezes ao dia para a equipe que trabalhava na área de eletrólise, onde estavam expostos ao calor excessivo. Também foi adotado revezamento da equipe, o que aumentou muito a produtividade do setor.

“Para mim o mais importante foi o fato de os técnicos de segurança da empresa, após se desculparem e reconhecerem o erro, mudarem sua postura, passando a conversar mais com os trabalhadores e a escutar o que nós tínhamos a dizer. Algum tempo depois, resolvi mudar definitivamente de função e fiz o curso Técnico de Segurança no Trabalho. Costumo dizer que faço o que gosto e ainda me pagam para isso”, conclui o profissional que agora atua como técnico de segurança da Santo Antônio Energia, em Porto Velho/RO.

Confira a matéria na íntegra na edição 239/Novembro da Revista Proteção.

Fonte:www.protecao.com.br

Por |2011-12-23T14:43:37-02:0023 de dezembro de 2011|Notícias|