Médicos em defesa do SUS

Médicos em defesa do SUS

As más condições de trabalho e de assistência dentro do Sistema único de Saúde (SUS) estão entre os principais motivos que levaram os médicos ao protesto no dia 25 de outubro. As dificuldades fazem parte da rotina de postos de saúde, de ambulatórios e de hospitais. é, sobretudo, nas salas de urgência e emergência dos prontos socorros que a crise se agiganta e se materializa em longas filas e desespero que afetam tanto os profissionais, quanto os milhões de pacientes que buscam ajuda.

Apesar dos esforços do Serviço Móvel de Urgência (Samu), muitas vezes o salvamento de vitimas de acidentes e crises agudas não vinga por problemas na rede hospitalar responsável por acolher os pacientes. Levantamento da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) mostra que o número de leitos de UTI no país ainda esta longe do ideal e o pior: a rede existente está mal distribuída, o que dificulta o acesso a este tipo de suporte em áreas distantes das capitais e dos grandes centros.

“Pacientes graves, hoje, estão ficando nas salas de atendimento, entubados. Estamos aceitando isso como uma coisa normal. Esses pacientes morrem a granel. Essas salas não são leitos de UTI, estão muito longe disso”, completou o conselheiro federal Mauro Ribeiro, representante do CFM em debate realizado em 17 de outubro, na Câmara dos Deputados, e coordenador da Câmara Técnica de Urgência e Emergência do Conselho.

A própria coordenadora-Geral de Atenção Hospitalar do Ministério da Saúde, Ana Paula Cavalcante, admitiu que a pasta registra déficit de leitos em quase todos os estados. Segundo ela, o parâmetro proposto representa o “cálculo mínimo” do que é necessário para o funcionamento de uma UTI.

Estimativa
Pelo estudo divulgado pela Amib, em cerca de 80% dos estados não há o número de leitos de UTI preconizado pelo próprio Ministério da Saúde para garantir o bom atendimento de sua população. A estimativa do governo é que, em média, há a necessidade de 4% a 10% do total de leitos hospitalares na forma de unidades de tratamento intensivo, o que corresponde a um índice que vai de 1 a 3 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes. Mas o contingenciamento é ainda maior nas unidades de alta complexidade, onde de 15% a 25% do total de leitos disponíveis devem ser de UTI.

No entanto, em 20 unidades da federação o índice de UTIs por habitante é inferior à média nacional (1,3 leitos por 10 mil). Em 15 delas, ela oscila entre 0,5 e 0,9. Em outros cinco, fica entre 1,0 e 1,2. Apenas em sete estados (Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso e Espírito Santo), a situação é um pouco mais confortável com indicadores iguais ou ligeiramente superiores (de 1,3 a 2,4).

Os dados da Amib mostram que no Brasil existem 25367 leitos UTI, distribuídos em 2342 unidades deste tipo que funcionam em apenas 403 dos 5.561 municípios brasileiros. Ou seja, este tipo de assistência beneficia principalmente os moradores de menos de 10% das cidades, por conta dos problemas da rede de referencia e contra-referencia.

Déficit geral
Mas o déficit de leitos não se limita às UTIs. Os dados do Ministério da Saúde também indicam a falta deles para atender os pacientes que precisam de internação simples, sem maiores complicações, ou mesmo casos graves, como atendimento psiquiátrico ou para recuperação de dependentes químicos. De acordo com o conselheiro federal Emmanuel Cavalcante, entre 1990 e 2008, o Brasil perdeu 188.845 leitos hospitalares. Cerca de 45 mil deles foram desativados a partir de 2000. No período, em números absolutos, as regiões mais prejudicadas foram, por ordem, Sudeste (-122416 leitos); Sul (-37212); Nordeste (-25702); Centro-Oeste (-14160); e Norte (-1442).

Mas se em 2008, o total de leitos era de 347.102 (menor que os 489.290, em 2000, e os 533.947, em 1990), a redução ainda é mais significativa em 2011. De acordo com os números do CNES, no país existem atualmente 330.881 leitos hospitalares na rede SUS. Ou seja, entre 2008 e 2011, outros 17 mil leitos foram desativados. A diferença com relação a 1990 é de 203.066 leitos a menos. O Sudeste, que perdeu 131.013 leitos, foi a região mais prejudicada. Logo em seguida, vem o Sul (-38.146 leitos), o Nordeste (-22.309) e o Centro-Oeste (-15.399). A única com variação positiva foi o Norte (+3.213), mas parte desse resultado vem da incorporação do Tocantins à região.

Outro ponto a destacar é que a desativação progressiva dos leitos ocorreu, principalmente, no setor privado conveniado ao SUS. O enfraquecimento da rede complementar se deve a insatisfação dos estabelecimento com os baixos valores praticados pela Tabela SUS, além do crescente aumento da população coberta por planos de saúde , que passou a ser a principal clientela dessas unidades.

O Ministério da Saúde preconiza um leito por grupo de mil habitantes, o que faz com que a média brasileira seja superior (1,9). Contudo, a folga assegurada nas estatísticas desaparece nos corredores dos hospitais, onde milhares aguardam semanas e até meses por uma chance de internação. Além disso, o argumento da deshospitalização do atendimento, com foco na atenção básica, se enfraquece por conta dos baixos investimentos na prevenção de doenças e da indiferença com que os técnicos analisam a mudança do perfil epidemiológico da população.

“O Brasil de hoje precisa de mais leitos porque a população teve sua expectativa de vida aumentada, assim como a prevalência de doenças crônico-degenerativas, que exigem maior tempo de internação e cuidados médicos. Não podemos ignorar essa realidade. Sem o investimento necessário e sem a retaguarda esperada, o atendimento continuará prejudicado”, anuncia o conselheiro Hermann Tiesenhausen. Para ele, uma das consequências desse problema aparece nas filas represadas de cirurgias eletivas a espera de marcação.

Protesto
Em 25 de outubro, médicos de todos os estados protestarão contra a baixa remuneração e as más condições de trabalho e de assistência oferecidas no âmbito da rede pública de saúde. O movimento – coordenado pela Comissão Pró-SUS, composta por representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam) – quer chamar a atenção das autoridades e da população para os problemas que afetam o setor e que comprometem a qualidade do atendimento oferecido. A previsão é que se tenha a adesão de pelo menos metade dos 195 mil médicos que trabalham no SUS. As informações sobre a mobilização foram divulgadas em entrevista coletiva das lideranças do movimento, realizada no dia 24 de outubro, na sede do CFM, em Brasília (DF).

Em 21 estados foram confirmadas suspensões dos atendimentos eletivos (consultas, exames e outros procedimentos) durante todo o dia 25 de outubro, sendo que no Piauí deve se prolongar por 72 horas. Em outros dois estados, este tipo de paralisação será pontual: em Santa Catarina, deve acontecer durante a tarde e durar cerca de uma hora; em São Paulo, deverá acontecer apenas em algumas unidades de saúde, mas ao longo de todo o período. Em outros seis estados, foram programadas manifestações públicas em protesto contra a precariedade da rede pública. Alias, atos do tipo deverão acontecer simultaneamente em todo o país.

Tabela 3 – Total de leitos (SUS e não SUS) por estado*

ESTADO

TOTAL

SUS

Não SUS

Acre

1479

1317

162

Alagoas

6284

5395

889

Amazonas

5978

5185

793

Amapá

1048

901

147

Bahia

29815

24798

5017

Ceará

19120

14933

4187

Distrito Federal

6818

4657

2161

Espírito Santo

7665

5398

2267

Goiás

17527

12428

5029

Maranhão

13984

12361

1623

Minas Gerais

44655

32129

12526

Mato Grosso do Sul

5678

3750

1928

Mato Grosso

6551

4901

1660

Pará

15545

11260

4285

Paraíba

9486

7902

1584

Pernambuco

20801

17357

3444

Piauí

8132

7006

1126

Paraná

28765

20747

8018

Rio de Janeiro

47726

30442

17284

Rio Grande do Norte

7555

6526

1029

Rondônia

3987

2969

1018

Roraima

835

822

13

Rio Grande do Sul

30744

21037

9707

Santa Catarina

15388

11340

4048

Sergipe

3920

3103

817

São Paulo

96236

60010

36221

Tocantins

2453

2137

316

Brasil

458180

330881

127299

Tabela 4 – Evolução do total de leitos SUS disponíveis no país (1999 – 2011)*

Região

1990

2000

2008

2011

Diferença
1990 – 2000

Diferença
1990 – 2008

Diferença
1990 – 2011

Total

533.947

Por |2011-10-25T14:10:35-02:0025 de outubro de 2011|Notícias|