As Lesões por Esforços Repetitivos e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho estiveram em pauta na Fundacentro durante a live Prevenção da LER/Dort nos Setores de Serviços e da Indústria e Contribuições da NR 17. A nova versão da norma regulamentadora prevê a participação dos trabalhadores na Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) e na Análise Ergonômica do Trabalho (AET).
O evento, coordenado pelo pesquisador da Fundacentro José Marçal Jackson Filho, está disponível no canal da instituição no YouTube. Os palestrantes foram as pesquisadoras Maria Maeno e Thais Helena Barreira, que também atuam na instituição, e o auditor-fiscal do Trabalho Mauro Müller.
“Nas situações de trabalho, onde são encontradas altas prevalências de problemas de saúde mental e musculoesqueléticos, observa-se que sobretudo os trabalhadores da produção estão submetidos a série de exigências, por vezes, contraditórias, que limitam e reduzem sua margem e capacidade de agir”, avalia Marçal.
“Para que se previna de fato as LER/Dort, assim como o adoecimento mental, é preciso aumentar o poder de agir dos trabalhadores nas situações de trabalho. Além disso, quando estão presentes exigências importantes, sejam fisiológicas, sejam cognitivas, deve-se assegurar às pessoas a possibilidade de se recuperar das exigências e pressões no trabalho”, completa.
O pesquisador destaca que a ocorrência desses adoecimentos é resultado de determinadas formas de produção. Assim existe uma associação direta entre os sintomas que os trabalhadores apresentam e a organização do trabalho.
Saída coletiva
Se antes eram as esteiras que determinavam o ritmo do trabalho, agora são metas que, geralmente, não respeitam os limites humanos. Com essa reflexão, a médica Maria Maeno começa a sua fala. O cenário atual é de aprofundamento da individualização das atividades de trabalho, apesar de um discurso das empresas de equipe e time. Existe um sentimento de pertencimento menor, de solidão, não de coletividade, com o esgarçamento do tecido social e da solidariedade entre os trabalhadores.
“Há uma invisibilidade social da LER/Dort e um apagão estatístico, determinados por um deliberado ocultamento dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, associado à institucionalização do aparato técnico das empresas, à vinculação do tradicional sistema de tutela da saúde dos trabalhadores às questões fiscais, à falta de democracia nos ambientes de trabalho e às dificuldades do SUS em assumir suas atribuições constitucionais de cuidado integral à saúde dos trabalhadores”, afirma Maria Maeno.
Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta 3.568.095 diagnósticos médicos de LER/Dort. Além disso, 16% dos entrevistados relataram limitações intensas para realizar atividades diárias por conta desse adoecimento. Mas como mudar essa realidade? A médica aponta a necessidade de construir saídas coletivas. Com mudanças da organização e gestão do trabalho e o fortalecimento da organização dos trabalhadores, por meio de sindicatos, Organização no Local de Trabalho (OLT) e coletivos.
“As dores do trabalho não ocorrem porque os trabalhadores são fracos, acontecem pela organização do trabalho, pressão nos trabalhadores, ausência de pausas…. O adoecimento é coletivo, e as saídas devem ser coletivas também”, defende Maria Maeno. “Que a democracia alcance o interior das empresas com a participação dos trabalhadores, que conhecem o dia a dia dos processos de trabalho”, completa.
Intensificação do trabalho na Indústria e nos Serviços
A metáfora da esteira também aparece na fala da ergonomista Thais Barreira, que pega como exemplo a área de telemarketing. “Você tem menos controle ainda do que quando tinha a esteira, você nunca sabe o que vem depois”, avalia. No processo de reestruturação produtiva, houve redução de tempos mortos, e a intensificação do trabalho ocorre tanto na indústria quanto nos serviços, com demandas colocadas de formas visíveis e invisíveis.
Diante da intensificação do trabalho, para prevenir as LER/Dort é necessário refletir sobre quais são as exigências do trabalho, como se dá a divisão de tarefas, quais as condições de trabalho. “O que pode ser diferente para eliminar uma grande exigência de trabalho muscular com nocividade? Enquanto não puder mudar, como reduzir impactos nocivos sobre a saúde dos trabalhadores?”, questiona a ergonomista.
Também é preciso lembrar que o trabalho humano não é apenas o gesto motor visível. No trabalho manual, por exemplo, a ação do sistema musculoesquelético é coordenada pelo sistema nervoso, a partir de processos mentais da inteligência humana. “O trabalho puramente manual não existe. Os sentidos (como visão, audição, tato…) capturam informações, que são processadas pela memória, a partir da experiência anterior, e a operação motora é regulada, ajustada, para maior precisão do gesto. Esta capacidade humana é facilmente compreendida numa tarefa de triagem de defeitos de peças de produção, em que o trabalhador acompanha com olhos e gestos o ritmo das peças a serem verificadas, procurando defeitos e ‘correndo’ para corrigir as falhas da produção. É comum a preocupação com a carga motora que desconsidera esse trabalho mental”, explica Thais Barreira.
“Vemos uma busca por quantidade, qual carga ou quantos movimentos para que as pessoas não fiquem doente? Mas, a parte invisível desse trabalho requer a ‘escuta’ do trabalhador. O diálogo é fundamental para que as pessoas entendam os problemas e dificuldades do dia a dia do trabalho e encontrem soluções conjuntas”, complementa a pesquisadora.
Dessa forma, os trabalhadores devem ser consultados sobre como melhorar a organização dos tempos de trabalho e buscar modificações para melhorar o processo produtivo e garantir o menor custo humano. No setor de Serviços, por exemplo, há muito trabalho emocional na relação com clientes, pacientes ou consumidores. Os trabalhadores precisam mascarar seus sentimentos pessoais. São necessárias pausas de recuperação psicofisiológicas. Já em frigoríficos, usam-se facas com precisão de movimento e destreza, que depende da circulação sanguínea, a qual é reduzida com o frio. É preciso ter pausas de recuperação térmica.
Para melhorar a organização do tempo de trabalho, a pesquisadora Thais Barreira dá algumas dicas para fazer as mudanças ocorrerem através de processos participativos: “Encoraje a discussão em grupo e aproveite a experiência dos trabalhadores antes de introduzir uma nova organização do tempo de trabalho. Conversem sobre ;conteúdo do trabalho; divisão de tarefas; inserção e distribuição de períodos de pausas para descanso dentro da jornada diária de trabalho; possibilidades de horário flexível; e distribuição de períodos de férias”.
Contribuições da NR 17
Já o auditor-fiscal do Trabalho Mauro Müller fala sobre as contribuições da NR 17 para a Prevenção das LER/Dort. Essa norma regulamentadora pretende atingir o objetivo central da ergonomia, que é adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas do trabalhador.
Na avaliação do auditor, possibilitar uma estratégia de gestão de riscos é uma das principais contribuições da NR 17. Para o diagnóstico e a avaliação, a norma traz a Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP). A análise em profundidade ocorre por meio da Análise Ergonômica do Trabalho (AET). “Toda esta estratégia tem como requisito a participação dos trabalhadores tanto na AEP quanto na AET”, aponta Müller. Outro ganho é a inclusão de aspectos cognitivos, que possam comprometer a saúde e segurança do trabalhador, na norma. É necessário considerar na organização do trabalho a sobrecarga mental, autonomia, o agir do trabalhador na atividade real.
Mauro Müller destaca ainda alguns requisitos gerais de prevenção trazidos pela norma. Por exemplo, o item 17.4.4 afirma que “todo e qualquer sistema de avaliação de desempenho para efeitos de remuneração e vantagens de qualquer espécie deve levar em consideração as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores”. A pausa é considerada uma medida de prevenção. O item 17.4.2 diz que “nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do tronco, do pescoço, da cabeça, dos membros superiores e dos membros inferiores, devem ser adotadas medidas técnicas de engenharia, organizacionais e/ou administrativas, com o o objetivo de eliminar ou reduzir essas sobrecargas, a partir da avaliação ergonômica preliminar ou da AET”.
Por fim, o auditor apresentou as medidas preventivas para situações críticas, como as indicadas no item 17.4.3.1: “a) pausas para propiciar a recuperação psicofisiológica dos trabalhadores, que devem ser computadas como tempo de trabalho efetivo; b) alternância de atividades com outras tarefas que permitam variar as posturas, os grupos musculares utilizados ou o ritmo de trabalho; c) alterações da forma de execução ou organização da tarefa; e d) outras medidas técnicas aplicáveis, recomendadas na avaliação ergonômica preliminar ou na AET.”
Para Müller, a norma deve incentivar a empresa a modificar situações negativas à saúde do trabalhador. Primeiro vêm as medidas de organização do trabalho, depois as medidas de engenharia. “A NR 17 é referência, e a intervenção ergonômica pode ir além da norma”, defende. Também destaca a integração entre o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), presente na NR 1 – Disposições Gerais e GRO , e a NR 17 – Ergonomia.
Fonte: Fundacentro