A aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 769/2015, que amplia as medidas de combate ao fumo, vai tirar o poder de propaganda dos cigarros, oferecidos em embalagens luminosas, sempre dispostas ao lado de balas e chicletes nos pontos de venda, como forma de atrair crianças e adolescentes e estimular o vício precoce do tabagismo, que hoje mata dois entre três fumantes.
A avaliação foi feita nesta quarta-feira (15) pela secretária executiva do Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para Controle do Tabaco, Tânia Cavalcante. Em audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Tânia afirmou que o texto do projeto aprimora a implantação da Política Nacional de Controle do Tabaco, como forma de restringir práticas desleais de mercado voltadas à venda de cigarro a menores, proibida por lei.
De autoria do senador José Serra (PSDB-SP), o PLS 769/2015 proíbe a propaganda de cigarros, mesmo nos espaços de venda, e o uso de aditivos que confiram sabor e aroma a esses produtos. O projeto também impõe padrão gráfico único das embalagens e configura como infração de trânsito o ato de fumar em veículos quando houver passageiros menores de 18 anos. O texto altera a lei 9.294, de 1996, que restringe a propaganda de cigarro e outros produtos.
— A convenção se contrapõe a práticas que tornam o tabagismo uma doença pediátrica, uma epidemia com 100 milhões de mortes no século XX. A pessoa começa a fumar aos 15 anos. A publicidade busca capturar crianças e adolescentes. Há adições de substâncias como amônia, que aumenta o poder de liberação do tabagismo e a dependência. O projeto tira o poder de propaganda que a embalagem atual tem. Os fabricantes de cigarro fazem de tudo para capturar crianças e adolescentes — afirmou.
Tania disse ainda que o PLS 769/2015 não contribui para o aumento do contrabando, o qual poderá ser combatido com a implementação do protocolo previsto na convenção do quadro, já ratificada pelo Brasil, o qual contém recomendações para eliminar o comércio ilícito de tabaco.
Representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gloria Latuf também defendeu a aprovação do projeto. Ela destacou que os aditivos mascaram o sabor e o odor desagradável do cigarro e a aspereza da fumaça. E lembrou que a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que os aditivos devem ser banidos, conforme prevê a convenção quadro que reúne mais de 180 países.
— Os aditivos são proibidos em mais de 40 países. Há fumo para narguilé sabor chiclete, cola com menta, charutos de chocolate, pêssego e baunilha. Cápsulas de mentol são poderosos aditivos para que o cigarro fique mais atrativo. Alguns cigarros chegam a ter mais de 200 aditivos. O mentol é apenas um deles, que reduz fumaça e favorece o uso pelo iniciante, aumenta a recepção cerebral da nicotina. Há aditivos que vão além do mentol, vão profundamente na constituição do produto para ser mais atrativo e mais viciante — afirmou.
Glória disse ainda que a proibição de exposição de cigarros em pontos de venda e a adoção de embalagens padronizadas são recomendadas pela OMS. A embalagem padrão já foi implantada em nove países e está prestes a vigorar em outras 16 nações.
— A indústria sabe e descumpre a norma, continua usando a embalagem como forma de propaganda. Por isso, a embalagem genérica é um passo adiante e muito importante. Os descumprimentos continuam — afirmou, acrescentando que o fumo passivo mata 890 mil pessoas por ano.
Representante da ACT Promoção da Saúde, Ticiana Imbroisi disse que a indústria do fumo tem adotado um marketing sorrateiro, com a adoção das mídias sociais para fazer propaganda ilegal, a partir de hashtags específicas que remetem ao fumo e mostram o produto de forma benéfica em ambientes descolados.
Redução do tabagismo
Presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco), Iro Schünke disse que as medidas previstas no PLS 769/2015 não funcionam para reduzir o tabagismo.
— As embalagens atualmente já têm 65% cobertos por imagens e advertência. A população brasileira já está muito informada que cigarro faz mal para a saúde. Nos pontos de venda, já há restrições. O mercado ilegal, sem restrição, vende a quem quiser e ao preço que quiser, com crianças envolvidas nas vendas, como já se vê em São Paulo — afirmou.
Iro destacou que os cigarros com aroma representam 4% do mercado legal do país, e que não há qualquer correlação entre a existência desses produtos e o fato de haver “mais ou menos crianças fumando”. Ele destacou ainda que a venda de cigarro para menores de 18 anos no Brasil é crime, o que conta com o apoio da indústria do tabaco.
— O mercado ilegal tem 54% dos fumantes. Muito do produto ilegal representa hoje mais da metade do consumo brasileiro, o que gera perda de empregos e receita — afirmou.
O presidente do Sinditabaco disse ainda que as restrições ao mercado legal vão favorecer a ilegalidade e o contrabando.
— Aprovado o PLS, vai ter [na embalagem] só o lugarzinho para pôr a marca do cigarro, enquanto o contrabando vai continuar colocando o que quer. Nos pontos de venda, os cigarros legais vão estar escondidos, e os ilegais, expostos. O Brasil registrou perda de R$ 193 bilhões com contrabando em diversos setores, onde o cigarro representa dois terços, ao lado de brinquedos e defensivos agrícolas. O que o Senado está fazendo para [evitar] esse problema do contrabando? — questionou.
Representante da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Jaime Recena disse que, “apesar da nobre intenção, o projeto não vai dar o resultado a que se propõe”. Ele cobrou soluções contra o mercado ilegal de cigarros, que impacta varejistas de todo o mundo, e apontou o crescimento do contrabando como produto do crime organizado.
— Já vivemos hoje em um dos ambientes mais regulados do mundo. Será que é ainda necessário mais medidas? A gente entende que não. O que hoje já regulamenta o mercado é suficiente. Já é proibida a venda de cigarros para menores — afirmou.
Prefeito de Venâncio Aires (RS), Giovane Wickert questionou as medidas contra o fumo previstas no projeto, que ele considerou excessivas, e defendeu o equilíbrio na questão, que envolve fatores sociais, econômicos e sanitários.
— O Brasil hoje se destaca com umas das menores taxas de fumantes do mundo. Será que o projeto não teria alguns equívocos? 54% dos fumantes brasileiros já ignoram a política brasileira de controle do tabaco. Há um contrassenso na sociedade — afirmou.
Auditor fiscal da Receita, Aleksander Blair Moraes e Souza disse que a produção de cigarros no Brasil atingiu 2 bilhões e 983 milhões de unidades em 2018. No mesmo período, a indústria do cigarro arrecadou quase R$ 7 bilhões.
Aleksander afirmou que a padronização das embalagens de cigarro poderia prejudicar a leitura em código de barras feita por sistema de rastreamento implantado pela Receita. E avaliou que a redução de tributos seria incapaz de combater o contrabando, devendo ser patrocinada de forma conjunta com ações de inteligência para obter resultados.
Avanços na legislação
Presidente da CCJ, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse ser “difícil vencer lobbies legítimos e ilegítimos de setores que acham que podem tudo, que números valem mais que a vida”. Embora defenda o PLS 769/2015, ela afirmou que a adoção da embalagem padronizada fere a Constituição e a legislação.
— Não é possível exigir nas relações particulares que a concorrência tenha o mesmo padrão de cores e letras. Mas, no resto, o projeto é irretocável. Quase 500 vidas morrem por dia no Brasil por causa de cigarro — afirmou, destacando que o Brasil gasta anualmente mais de R$ 50 bilhões no tratamento do tabagismo.
Autor do projeto, José Serra explicou que o projeto propõe avanços na legislação atual, que tem origem em proposição aprovada quando ele foi ministro da Saúde, de 1998 a 2002.
Serra rechaçou afirmações de que o projeto vai afetar a geração de empregos, uma vez que mais de 855 da produção brasileira é destinada à exportação. O tabagismo é uma doença pediátrica, uma vez que o hábito de fumar é adquirido na adolescência, e os aditivos e sabores servem apenas para “disfarçar o sabor do veneno”, afirmou. O senador acrescentou ainda que o custo do tratamento das doenças relacionadas ao tabaco representa três vezes mais o valor pago pelas indústrias em impostos.
Por sua vez, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), crítico do projeto, disse que a proposição prejudica a geração de empregos e a produção de fumo, hoje enfraquecida pelo contrabando, que ajuda a financiar o crime organizado no Brasil.
Relatora do PLS 769/2015, a senadora Leila Barros (PSB-DF) disse estar “completamente atenta à matéria.
— Temos que escutar a todos — concluiu.
(Fonte: Agência Senado)