Data: 12 de agosto
O auditório da Fundacentro, em São Paulo, ficou lotado durante o Seminário de Atualização sobre o Mercúrio nos dias 6 e 7 de agosto. O evento apresentou a Convenção de Minamata e seus impactos, além de discutir propostas e estratégias para a sua implementação no Brasil. Também traçou um panorama sobre as discussões nacionais e internacionais relacionadas ao mercúrio, assim como trouxe estudos de caso e passou informações toxicológicas aos participantes.
A Convenção de Minamata, que aborda o controle, restrição e banimento, em alguns casos, do uso de mercúrio, foi aprovada em Genebra, na Suíça, em janeiro de 2013, em 5ª; Reunião promovida pelo (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), PNUMA e será assinada em outubro no Japão. Cerca de 140 países participaram da discussão. A delegação brasileira contou com a participação da Fundacentro, representada pelo engenheiro químico e de segurança, Fernando Sobrinho, que também organizou o evento deste mês na instituição.
“Agradeço ao Fernando Sobrinho pela participação ativa nas discussões internacionais sobre o uso do mercúrio e o descarte. Temos que refletir sobre os impactos do uso do mercúrio, que envolve todo o ciclo de vida. é preciso que se conheçam os riscos e se tomem atitudes para a proteção dos trabalhadores e da população em geral”, afirmou a diretora técnica da Fundacentro, Hilda Alevato.
Efeitos à saúde
Durante o evento, o doutor em toxicologia e médico da Fundacentro, Tarcísio Buschinelli, falou sobre os riscos à saúde provocados pelo mercúrio. O primeiro ponto a ser considerado é de que tipo de mercúrio se está falando. Ele pode ser inorgânico, dividindo-se em metálico e iônico, e orgânico.
A forma iônica causa efeitos mais importantes nos rins, já a metálica, mais agressiva, atinge o sistema nervoso central. O mercúrio metálico é absorvido pela pele e pulmões e é o tipo utilizado, por exemplo, pelo garimpo. Os efeitos agudos que pode causar são: lesões na córnea; lesões de mucosas e pulmões, podendo levar a morte por insuficiência respiratória; lesões renais e problemas no sistema nervoso pós-exposição.
Já os efeitos crônicos abrangem o hidrargirismo (doença causada pelo mercurio) no sistema nervoso central pode causar deficiências da memória recente, da coordenação motora e de atenção, outras alterações cognitivas, tremores e alterações de comportamento. Ainda pode gerar neuropatias periféricas, dermatite mercurial, um tipo específico de catarata, gengivite e estomatite.
Com o afastamento da exposição, desaparecem as dermatites, gengivites, neuropatias periféricas e geralmente os danos renais. Já os efeitos causados no sistema nervoso central e a catarata causada por exposição ao mercúrio permanecem.
No caso do mercúrio orgânico, um tipo conhecido é o metilmercúrio, causador da doença de Minamata, no Japão. A contaminação local ocorreu devido a despejos industriais, que contaminou a água e peixes, que por sua vez contaminaram as pessoas. O metilmercúrio também contaminou pessoas no Iraque por meio de sementes de trigo.
Os efeitos à saúde do metilmercúrio são parestesias (formigamento), diminuição da força muscular, e, em casos graves, coma, convulsão e morte. Também pode causar perda de equilíbrio, cegueira e surdez devido aos danos no cérebro, levar a má formação de feto e é considerado possivelmente carcinogênico.
“Já acompanhei casos de trabalhadores que estavam com a dosagem de mercúrio normal, mas clinicamente adoecidos. é preciso avaliar os sintomas, a história e tempo de exposição, analisando caso a caso”, explica Buschinelli.
Valdivino dos Santos Rocha, um dos participantes do Seminário é ex-trabalhador e aposentado por invalidez. Exerceu a função de mecânico e supervisor de produção de uma grande indústria de lâmpadas. Sua função era de abastecer e retirar o dispenser com mercúrio das máquinas.
Inicialmente, Valdivino sentia fortes dores no corpo. Depois de alguns anos, vieram os problemas renais, distúrbio mental, cansaço nas pernas, pressão alta e alterações neuro-comportamentais. “Hoje tomo 14 comprimidos por dia e de 1992 para cá, ano em que me aposentei, não houve nada ou muito pouco que pudesse mudar o quadro de trabalhadores intoxicados pelo mercúrio. As máquinas utilizadas na fabricação de lâmpadas continuam obsoletas e não há investimento tecnológico”, diz Valdivino.
Mônica Fragoso, técnica de vigilância ambiental do Ministério da Saúde, ressaltou a preocupação com o descarte desses produtos em lixões. Também destacou o fato de já existir leis proibindo termômetros em São Paulo e Santa Catarina e a elaboração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para populações expostas a pedido do Ministério, que ficarão prontos em 2014.
Já Alberto Rocha Neto, gerente do Ministério do Meio Ambiente, falou sobre a ação do Grupo de Trabalho de Mercúrio, que já teve nove reuniões. As atas e o diagnóstico preliminar do Brasil sobre mercúrio podem ser consultados no site desse Ministério. Para Neto, a Convenção de Minamata conseguiu incorporar todos os requisitos constantes da Rio+20. “é a 1ª;. Convenção Pós Rio+20”, diz.
Representantes da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e da CETESB relataram suas ações frente a um grave problema ocorrido com descarte inadequado de mercúrio na cidade de Rosana-SP, em 2010, fato que veio reforçar a necessidade de ações públicas e privadas eficazes para controle do mercúrio no Brasil.
Convenção e o futuro do mercúrio
Durante a palestra do presidente da Apliquim Brasil Recicle, Mario Guilherme Sebben ele observou que é necessário voltar a atenção para o descarte de lâmpadas trituradas, que vem sendo depositadas nos aterros de classe 2. “Isso é um erro, pois as lâmpadas com mercúrio são importantes e devemos recuperar esse mercúrio. Além disso, temos dificuldade em obter dados e informações sobre mercúrio”, ressalta. Para ele, a realidade do Brasil é de que há muito mercúrio estocado, em especial proveniente das lâmpadas, e que a grande dificuldade é justamente com relação ao transporte do mercúrio que deve ser especial e o motorista ser devidamente capacitado. Dados de 2006 da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO) mostram que uma lâmpada quebrada pode contaminar 15 mil litros de água.
A armazenagem do mercúrio foi outro ponto destacado no Seminário. Nos EUA, por exemplo, o mercúrio é encapsulado e armazenado em bunkers sob controle do exército. Na Espanha, em Mina de Almaden, o mercúrio é comercializado e armazenado de maneira segura. “Devemos aproveitar o mercúrio que temos e fazer a recuperação do mesmo e criar soluções de estocagem para o futuro”, destaca Sebben.
No artigo 20 da referida Convenção (“aspectos de saúde”), ressalta que deverá haver o desenvolvimento e implementação de estratégias e programas para proteger populações vulneráveis e em risco, a promoção de educação, programas preventivos e ocupacionais; promoção de serviços de saúde adequados para prevenir, diagnosticar tratar e monitorar a exposição ao mercúrio.
Na opinião do Diplomata do Itamaraty, Felipe Rodrigues Gomes Ferreira, que atuou na negociação da Convenção de Minamata, a participação do Brasil alcançou os objetivos, em especial a atuação da Fundacentro. Para ele, a Convenção de Minamata é bastante avançada se comparada às outras convenções na área de segurança química, como a Convenção de Estocolmo e a de Roterdam.
Um outro artigo (3) constante da Convenção, estabelece medidas de controle para o uso do mercúrio e destaca o banimento de abertura de novas minas e estipula um prazo de 15 anos para o fechamento das atuais.
A próxima reunião em Kumamoto irá apresentar o documento final, ou a formalização política do Relatório sobre mercúrio elaborado pelo presidente do comitê intergovernamental de negociação legal e global durante a realização da quinta sessão, em Genebra.
Nesse documento o parágrafo 235 merece destaque. é nele que há a inclusão de ações de saúde em nível nacional de medidas que identifiquem grupos vulneráveis a exposição e aos riscos do mercúrio. A contribuição da Fundacentro no desenvolvimento da Convenção se dará por meio de projeto de pesquisa, especificamente programas educacionais e preventivos em SST, onde deverão contemplar a difusão de informação, capacitação de trabalhadores e proposição de medidas de controle.
Compete ao MTE/DSST a questão do aprimoramento e/ou ajustes na legislação sobre o mercúrio que envolva os trabalhadores e os ambientes de trabalho.
Fonte: Fundacentro