Data: 5 de setembro
Em 30 de setembro de 2015, o Ministério do Trabalho e Emprego publicou a Portaria nº 1.287 na qual institui a Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto (Cedua) no Brasil, sob o prisma do uso seguro e, se for o caso, propor medidas de controle e/ou outras que estudos técnicos possam apontar. A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz, por intermédio de seu diretor, Hermano Castro, divulga nota oficial em que se posiciona em total desacordo com tal portaria. Confira a íntegra da nota da ENSP/Fiocruz em anexo.
Nota oficial da ENSP/Fiocruz
A ENSP/Fiocruz vem a público apresentar o total desacordo com a Portaria nº 1.287, de 30 de setembro de 2015, que institui a Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto no Brasil, sob o prisma do uso seguro.
No momento em que o amianto tem sua produção e seu uso banido em vários países, em razão de seus efeitos nocivos à saúde das populações, e seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), não cabe normatizar o uso seguro dessa fibra.
A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem demonstrado, em inúmeros fóruns, os malefícios do amianto e o impacto sobre a morbimortalidade das populações expostas ocupacional e ambientalmente. Nos últimos 30 anos, os resultados dos estudos sobre o uso do mineral não deixam dúvidas de que todas as formas de amianto, inclusive o crisotila, provocam câncer. Os danos causados pelo amianto não se restringem aos trabalhadores, mas comprometem a saúde de toda a população exposta. Deixa de ser mais um problema ocupacional estrito e se torna um grave problema de Saúde Pública. O amianto ultrapassa os muros das fábricas, onde deixa uma legião de trabalhadores adoecidos e ganha a sociedade ao ter sua utilização permitida em diversos produtos de consumo cotidiano, por exemplo, as telhas de cobertura.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o amianto como um ‘inimigo silencioso’. A publicação da OMS, sob o título Critério 203, sobre amianto crisotila, atesta a nocividade da fibra. Segundo a Organização, não há limite seguro para a exposição ao mineral e recomenda sua substituição como a melhor forma de prevenir doenças a ele atribuídas.
Da mesma maneira, a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (Iarc/ONU) – instituto de referência que classifica substâncias como carcinogênicas –, considera o amianto e todos os seus tipos também cancerígeno para humanos, sendo classificados no grupo 1 do Iarc. Essa classificação indica que existem evidências suficientes em humanos, como também em testes com animais, para a carcinogenicidade desse material. Tal categorização foi estabelecida num grupo de trabalho em 1987. Mais recentemente, em 2012, outro grupo de trabalho, em Kiev, chegou à mesma conclusão com base em uma pesquisa publicada no British Journal of Câncer, em 2012, que analisou 55 estudos epidemiológicos.
Estão comprovados cientificamente os danos a respeito da fibra mineral causadora de doenças como asbestose pulmonar, espessamento pleural difuso, placas pleurais, câncer de pulmão e mesotelioma, não havendo nenhuma forma de se trabalhar com o amianto sem que haja risco à saúde.
Os casos de adoecimento e morte por amianto no Brasil são decorrentes da falta de uma lei que retire a fibra cancerígena dos processos produtivos e do consumo, e não de portarias que busquem normatizar seu uso, além de, quando ‘necessário’, equipamentos de proteção.
Protelar a lei do banimento do amianto coloca o Brasil entre os países que não enfrentam o problema da epidemia do câncer, hoje realidade na Europa, e estabelece o pico da nossa mortalidade para os próximos 20 anos, dado o longo período de latência para o câncer de pleura, denominado mesotelioma.
Em termos econômicos, de acordo com a diretora regional da OMS na Europa, Zsuzsanna Jakab, em nota emitida durante a Conferência de Alto Nível sobre Saúde e Meio Ambiente, em Haifa (Israel), 15 mil pessoas morrem por ano no continente em razão da exposição ao amianto, e todas as mortes poderiam ser evitadas. Ainda segundo a Organização, em 15 países europeus, as mortes por mesotelioma custam US$ 1,5 bilhão por ano à sociedade.
A própria OMS orienta para que os países criem, até o fim deste ano, políticas para eliminar doenças causadas pelo amianto, e a única maneira de eliminá-las é sua proibição por meio do banimento da fibra cancerígena.
Portanto, a ENSP/Fiocruz solicita a imediata revogação da Portaria nº 1.287, de 30 de setembro de 2015, dado seu anacronismo e em total desacordo com as políticas públicas que protegem a saúde das populações.
Hermano Albuquerque de Castro
Diretor da ENSP/Fiocruz
(Fonte: Informe ENSP)