Como Promover Saúde no Trabalho – Estratégias de Sucesso

Como Promover Saúde no Trabalho – Estratégias de Sucesso

Marcia Bandini

Especialista em Medicina do Trabalho, Doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Professora Convidada de Cursos de Pós-Graduação da USP, Diretora da Associação Nacional de Medicina do Trabalho – ANAMT, Gestora de Saúde em Empresas Multinacionais há 15 anos.

Esta série foi idealizada para discutir a promoção da saúde no ambiente de trabalho e inclui suas principais etapas de implantação e gestão. Para fins didáticos, a série foi dividida em (1) Por que promover saúde no trabalho? (publicada na edição de janeiro/2015); (2) Competências dos promotores de saúde; (3) Como promover saúde no trabalho – estratégicas de sucesso; (4) Como avaliar programas de promoção da saúde no trabalho; e (5) Erros mais comuns das práticas de promoção da saúde no trabalho.

Os primeiros dois artigos destacaram os motivos para promover saúde no trabalho e as competências, pessoais e da equipe, que podem edevemser desenvolvidas para a inclusão de ações de promoção nas práticas voltadas à saúde do trabalhador. Neste artigo, discutiremos as estratégias para se desenvolver programas de promoção da saúde no trabalho.

Ambientes de Trabalho Saudáveis – um Modelo para a Ação

Seja para implementar um novo programa ou para revisitar um programa já existente, o modelo de melhoria contínua pode ser utilizado. Esse modelo, originado dos processos de gestão da qualidade, tem como elemento central o PDCA, do inglês, Plan-Do-Check-Act e em português Planejar-Fazer-Avaliar-Melhorar. O modelo de melhoria contínua foi utilizado pela Organização Mundial da Saúde para o desenvolvimento da publicação sobre ambientes de trabalho saudáveis –um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais [1]. Como nenhum programa nasce perfeito, o ciclo PDCA é fundamental para garantir que a avaliação das ações planejadas e implementadas possa gerar correções que visem a programas cada vez mais efetivos.

No entanto, o sucesso de qualquer programa não depende simplesmente do PDCA. Existem elementos críticos que o precedem como, por exemplo, a mobilização das partes interessadas, a reunião de recursos e competências necessárias, o correto diagnóstico situacional e a devida priorização das ações e dos resultados pretendidos para, só então, entrar no ciclo PDCA. é também fundamental que modelo considere o engajamento e o compromisso da liderança, a participação dos trabalhadores e, principalmente, a elaboração e a implementação de programas que estejam alinhados com a ética e os valores. O modelo da OMS pode ser conferido na Figura 1.

Dimensionando Programas de Promoção da Saúde no Espaço

Dimensionar adequadamente um programa de promoção da saúde é o primeiro passo para um correto planejamento que viabilize alcançar os resultados desejados. Para isso, Pronk [2] sugere um modelo simples denominado 4S (do inglês, Size-Scope-Scalability-Sustainability) para a elaboração de um programa.

  • Tamanho (size) – refere-se à magnitude do programa que causará o efeito desejado e permitirá evitar o superdimensionamento, que poderia desperdiçar recursos já escassos para o alcance de um objetivo relativamente simples ou o subdimensionamento que poderia desperdiçar tempo e energia sem que se alcançasse o objetivo pretendido.
  • Escopo (scope) – refere-se a alcance, faixa e extensão das atividades de um programa para atingir o objetivo.
  • Escala (scalability) – refere-se à necessidade de uma escala progressiva no planejamento, uma programação sistemática que possibilite alcançar resultados cumulativamente.
  • Sustentabilidade (sustainability) – considera fundamentalmente a constante viabilidade do programa a longo prazo, em especial quando os objetivos envolvem mudanças comportamentais ou desenvolvimento de ambientes favoráveis à saúde porque ambos demandam tempo para se obterem resultados.

Aqui vale lembrar que a adequada avaliação do dimensionamento e da aplicação do modelo 4S depende de um correto diagnóstico situacional, já discutido no modelo da OMS, e das competências dos profissionais envolvidos, já discutido no segundo artigo desta série.

Dimensionando Programas de Promoção da Saúde no Tempo

Para a elaboração ou a revisão de um programa de promoção da saúde é necessário também dimensioná-lo adequadamente no tempo. Isso porque as mudanças não acontecem rapidamente, nem de maneira linear. Autores como Prochaska e Diclemente estudaram mais de 300 teoriaspara explicar o processo de mudança e desenvolveram um modelo simplificado conhecido como modelo transteórico. Nele, a adoção de um novo hábito ou comportamento depende dos estágios de prontidão para a mudança. São cinco os estágios de prontidão:

  1. Pré-contemplação – quando o indivíduo não pensa em mudar.
  2. Contemplação – quando o indivíduo vislumbra a possibilidade de mudar, geralmente em um período determinado em 6-12 meses.
  3. Preparação – quando o indivíduo começa a tomar pequenas atitudes de preparação para uma mudança, geralmente planejada para acontecer dentro de 1-2 meses.
  4. Ação – quando o indivíduo efetivamente toma as ações necessárias para a adoção de um novo hábito/comportamento. Neste estágio, o tempo depende da dificuldade da mudança e do tipo de hábito/comportamento envolvido. Por exemplo, parar de fumar pode ser mais difícil, por envolver dependência de uma substância psicoativa (nicotina), do que iniciar a prática de uma atividade física.
  5. Manutenção/Terminação – quando o novo hábito/comportamento está efetivamente incorporado à rotina do indivíduo.

Em todos os estágios de prontidão pode haver a chamada recaída, que tem motivações internas e/ou externas. Por exemplo, um indivíduo que já se encontrava na fase de ação para evitar o uso de álcool pode retomar o uso da bebida durante uma festa. Ou alguém que esteja pensando em parar de fumar pode voltar à fase de pré-contemplação se o balanço decisório não pender a favor da mudança. Por isso, a recaída é considerada um elemento integrante do modelo (ver Figura 2).

O conhecimento do modelo transteórico é fundamental para que os profissionais de saúde usem estratégias adequadas para lidar com diferentes estágios de prontidão para um mesmo indivíduo, bem como para lidar com o coletivo. Estima-se que para determinado grupo, cerca de 40% dos indivíduos estejam em fase de pré-contemplação, 40% em contemplação e apenas 20% já em fase de ação/preparação. Por tanto, ao elaborar um programa é preciso planejar ações que alcancem indivíduos que estejam em diferentes estágios para que eles apresentem progressão dimensionada no tempo. Ainda, é importante lembrar que fatores externos influenciam o estilo de vida (ver determinantes sociais de saúde, no primeiro artigo). Por isso, além das ações voltadas para os indivíduos, é preciso pensar em intervenções que propiciem ambientes mais favoráveis e oportunidades [3] para a adoção de hábitos/comportamentos saudáveis.

Elementos Essenciais para Programas Efetivos

Nos Estados Unidos, em 2012,CDC (Centers for Disease Controland Prevention) e NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health)desenvolveram uma estratégia de integração da proteção com a promoção da saúde, denominado Total Worker Health – TWH®. Várias publicações sobre o assunto podem ser encontradas no website http://www.cdc.gov/niosh/twh/totalhealth.html. Segundo TWH®, os elementos essenciais para a implantação de programas efetivos são os seguintes [4]:

  1. Liderança e Cultura Organizacional

  • Desenvolver uma cultura centrada em pessoas, por meio de políticas que promovam o respeito dentro da organização e encorajem pessoas a participar. Uma cultura centrada em pessoas é construída com base na confiança, não no temor.
  • Demonstrar compromisso da liderança, refletido em palavras e ações, é crítico para o sucesso.
  • Engajaro nível médio da organização,com a inclusão de supervisores e gerentes que promovam e apoiem os programas.

  1. Design do Programa

  • Estabelecer princípios claros, em busca de priorização e foco que garantam a correta alocação de recursos.
  • Integrar sistemas relevantespara criar conexões que potencializem resultados de maneira mais efetiva e evitar segmentações por meio de programas não articulados oferecidos por muitos fornecedores que trabalhem isoladamente.
  • Eliminar riscos/fatores de risco ocupacionais conhecidos é fundamental para a integração da proteção com a promoção da saúde, de modo que todos os trabalhadores sejam abrangidos por meio da eliminação da exposição a substâncias tóxicas ou outros riscos já reconhecidos no ambiente de trabalho.
  • Ser consistente. O engajamento dos trabalhadores depende de sua percepção sobre o verdadeiro suporte da organização. Ações individuais sem a contrapartida ambiental/organizacional não são eficientes.
  • Promover a participação dos trabalhadores, garantir acesso de todos a tudo e remover barreiras por meio do envolvimento dos próprios trabalhadores, em diferentes níveis da organização.
  • Customizar programas para ambientes de trabalho específicos porque existem variações de tamanho, localidade, atividade econômica, recursos locais, culturas. Programas de sucesso reconhecem a diversidade.
  • Considerar incentivos variados que reconheçam indivíduos ou grupos pode aumentar o engajamento. No entanto, devem-se evitar ações que dividam pessoas em “ganhadores/perdedores”.
  • Encontrar e usar as ferramentas corretas, tanto para a implementação do programa quanto para a avaliação de seu progresso.
  • Ajustar o programa, depois de identificar a necessidade de mudanças, de acordo com os indicadores escolhidos para a avaliação do programa.
  • Garantir a manutenção do programa, com o desenvolvimento de programas de longa duração, que permitam adesão em diferentes momentos, e o desenho de programas alinhados com os valores da organização.
  • Garantir a confidencialidade é absolutamente importante para promover a confiança, além de ser um requerimento do código de ética dos profissionais de saúde.

  1. Recursos e Implementação do Programa

  • Começar pequeno e crescer. Apesar da recomendação de que os programas sejam bastante abrangentes, recomenda-se começar com metas modestas e programas-piloto antes de aumentar o escopo e a magnitude.
  • Providenciar os recursos adequados, com identificação e recrutamento de pessoas competentes e motivadas, utilização de fornecedores qualificados (quando for o caso), estabelecimento de parcerias com ONGs e instituições governamentais e alocação de, tempo e espaço adequados para alcançar os objetivos.
  • Desenvolver comunicação estratégica é essencial. Todos devem saber o que está sendo feito e por que. A comunicação deve ser precoce e frequente para dar visibilidade, divulgar resultados, motivar o engajamento e renovar/reforçar o compromisso da liderança;
  • Apropriar-se da implementação do programa não só na área de SST mas também em diferentes níveis da organização. Identificar aliados estratégicos do programa.

  1. Avaliação do Programa – assunto do 4º artigo desta série.

Business Case – Considerações Finais

Neste ponto, a série já cobriu os motivos para promover saúde no ambiente de trabalho, as competências necessárias dos promotores de saúde e, neste artigo, as estratégias de sucesso para a elaboração de um programa. Com esse conhecimento adquirido já é possível dar o primeiro passo para a viabilização do programa que é o desenvolvimento de um projeto, ou de um business case. Existem diversos modelos de business case disponíveis, mas o modelo A3, desenvolvido inicialmente pela Toyota, é simples e eficiente, além de poder ser usado para diversos projetos.

O A3 segue a lógica do modelo PDCA e propõe uma apresentação gráfica, em uma única página do tamanho A3 (daí a origem do nome), da contextualização do problema, suas causas, a solução proposta (ou hipótese), as ações necessárias, as medidas de avaliação e as de padronização/reavaliação para alcançar a melhoria contínua. O business case no modelo A3 deve considerar a apresentação macro do projeto, inclusive os investimentos necessários. Ações detalhadas devem estar descritas em um plano de ação que complemente o A3. As Figuras 3 e 4 ilustram a lógica do pensamento e do modelo.

O próximo artigo da série abordará metodologias e ferramentas para a avaliação de programas de promoção de saúde.


[1] OMS – Organização Mundial de Saúde. Ambientes de trabalho saudáveis: um modelo para ação: para empregadores, trabalhadores, formuladores de política e profissionais. /OMS; tradução do Serviço Social da Indústria. – Brasília: SESI/DN, 2010. Disponível em http://www.who.int/occupational_health/ambientes_de_trabalho.pdf (português)

[2] Pronk NP. Elaborando e avaliando programas de promoção da saúde: regras simples para uma questão complexa. Disease Management and Health Outcomes,11(3): 149-52, 2003. (inglês)

[3] O’Donnel M. The face of wellness: aspirational vision of health, renewing health behavior change process and balanced portfolio approach to planning change strategies. American Journal of Health Promotion, 23(2): TAHP-1-TAHP-12, 2008. (inglês)

[4] Essential Elements of Effective Workplace Programs and Policies for Improving Worker Health and Wellbeing. CDC/NIOSH, 2007. Disponível em http://www.cdc.gov/niosh/twh/essentials.html (inglês)

Texto publicado originalmente na Revista Proteção. A versão completa do artigo, com imagens, tabelas e referências, pode ser visualizada aqui.

Por |2015-09-08T13:29:35-03:008 de setembro de 2015|Notícias|