Frente à complexidade dos novos e velhos desafios, novas abordagens são necessárias
é com alegria que participamos, recentemente, do VI Congresso Paulista de Medicina do Trabalho, o qual teve por mote as questões que vêm se constituindo em desafios novos para a Saúde e Segurança do Trabalho e, diante da complexidade desses problemas, o consequente reconhecimento da necessidade de lançar mão de abordagens multiprofissionais e multidisciplinares, para o seu entendimento e para o seu manejo.
Na verdade, a complexidade é ainda maior, quando se percebe que não existe uma linha divisória que separa o velho do novo. Pelo contrário: pelo menos no campo da SST, os antigos ou velhos desafios estão ainda presentes, enquanto muitos outros, rotulados como novos, despontam todos os dias. Com efeito, a simultaneidade de problemas – velhos e novos – aumenta a complexidade. Em outras áreas da Saúde, esse fenômeno tem sido rotulado como “dupla carga”, e, por certo, não é diferente no campo da SST, onde o presente é uma quimera quase virtual, que liga o passado ao futuro…
Pois bem, frente aos desafios antigos e novos, no campo da SST, abordagens tradicionais de médicos, engenheiros, técnicos de segurança, higienistas, ergonomistas, profissionais de enfermagem, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, odontólogos do trabalho e quaisquer outras profissões, isoladas, ou de disciplinas formais de conhecimento, serão, crescentemente, insuficientes para dar conta da complexidade dos problemas, desde o entendimento de sua natureza e origem, até ao correto manejo preventivo e corretivo. O fato portador de futuro, constituído, segundo Michel Godet, por “sinais ínfimos, por sua dimensão presente, existentes no ambiente, mas imensos por suas consequências e potencialidades” é o dar-se conta das limitações das abordagens uniprofissionais ou monodisciplinares, para abrir-se em busca da construção de abordagens multiprofissionais, a caminho de modelagens ainda mais avançadas, como, por exemplo, as abordagens inter e transdisciplinares.
Com efeito, na medida em que temos consciência, por exemplo, de que os principais problemas relacionados ao trabalho são os transtornos osteomusculares (LER/DORT e dor lombar) e os distúrbios mentais – segundo as estatísticas da Previdência Social – cresce a certeza de que tais problemas serão insuficientemente entendidos e, menos ainda, reduzidos ou evitados, se ficarem por conta exclusiva de médicos do trabalho, médicos ortopedistas, reumatologistas, fisioterapeutas, psiquiatras ou psicólogos, por mais competentes que forem.
A busca do entendimento da determinação e gênese destes problemas começa pelo princípio basilar expressado pela Comissão Mista OIT-OMS, quando já em 1995, deixava claro de que na raiz dos problemas de saúde e segurança dos trabalhadores está a “cultura empresarial”, isto é, os sistemas de valores adotados por uma empresa específica. “Na prática, ela se reflete nos sistemas e métodos de gestão, nas políticas de pessoal, nas políticas de participação, nas políticas de capacitação e treinamento e na gestão da qualidade.” Em outras palavras, essas expressões da cultura de uma organização em relação à saúde e segurança dos trabalhadores explicam porque existem “empresas saudáveis” – na linguagem da Organização Mundial da Saúde – e porque existem organizações “adoecedoras”. Não é um problema médico, nem do SESMT, nem do psicólogo, nem do psiquiatra, e sim da própria organização, isto, dos modelos de gestão de pessoas, por ela adotados, bem como de outras condições de trabalho. Há, portanto, que “desmedicalizar” os problemas, e abordá-los na sua verdadeira origem. Para tanto, isso requererá o concurso de outros olhares e saberes, como o histórico, o econômico, o social, o organizacional e administrativo, e, quiçá, o olhar político cada vez mais agudo.
Se essas abordagens já se faziam necessárias na aproximação aos velhos problemas de SST, por certo, serão cada vez mais indispensáveis na aproximação aos novos problemas, posto que eles envolvem novas tecnologias organizacionais mais sutis e complexas; cadeias produtivas mais globalizadas; modelos de gestão de pessoas “flexibilizados”, ou melhor, precarizados… Concluímos, portanto, pela necessidade de reavaliar as velhas abordagens, hoje insuficientes para apreender a complexidade do mundo trabalho e a natureza dos problemas de saúde decorrentes, para enriquecê-las com novas abordagens e competências, não presentes na formatação legal de SESMTs, e em outros modelos.