Data: 2 de janeiro
Apesar de a pecuária continuar como atividade predominante dentre os nomes que compõem a última atualização da “lista suja” do trabalho escravo, as formas urbanas de escravidão têm cada vez mais presença. Das 110 inclusões do cadastro, cuja atualização foi divulgada no dia 30 de dezembro, dez são de empresas ou pessoas que exploraram em meio urbano – um total de 120 trabalhadores submetidos a pelo menos um dos quatro elementos definidos no artigo 149 do Código Penal como caracterizantes de condições análogas às de escravos.
O aumento de casos urbanos já era esperado. De acordo com Renato Bignami, auditor fiscal do trabalho em São Paulo, “percebe-se cada vez mais que as situações descritas no artigo 149 do Código Penal ocorrem com maior frequência em atividades urbanas do que se imaginava e o trabalho dos auditores fiscais vem demonstrando essa tendência”. Ele acredita que os resgates devem acontecer “majoritariamente no meio urbano” no futuro.
A “lista suja” é uma das principais ferramentas no Brasil para o combate do trabalho escravo contemporâneo. Mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), os nomes incluídos permanecem pelo menos dois anos na relação e são acrescidos após análise minuciosa de cada caso pelo MTE. Uma vez no cadastro, as pessoas e empresas da “lista suja” são impossibilitadas de receber financiamentos públicos e de diversos bancos privados, além de não conseguirem fazer negócios com as empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Setor têxtil
Entre as empresas de confecção da mais recente atualização da “lista suja” está a marca 775, flagrada explorando duas trabalhadoras bolivianas que eram mantidas em condições degradantes e submetidas a jornadas exaustivas sob ameaças e assédio em Carapicuíba, município da região metropolitana de São Paulo. A libertação aconteceu em 2010 e foi a primeira libertação do país a envolver imigrantes. Entre as ameaças a que eram submetidas, o empregador dizia constantemente às vítimas que as denunciaria à Polícia Federal para que fossem deportadas à Bolívia. O caso motivou o Conselho Nacional de Imigração a editar, quatro meses depois, a Resolução Normativa nº 93, que prevê a concessão de vistos para “estrangeiros que estejam no país em situação de vulnerabilidade”.
A grife feminina Talita Kume é outra empresa do setor a ser incluída na relação. Também em São Paulo, nove bolivianos – incluindo um adolescente – foram resgatados em junho de 2012. Eles recebiam somente R$ 1 por peça produzida e, com o dinheiro, tiveram de pagar os custos da viagem ao Brasil. O emprego era mediado por um casal que mantinha contratos com a Talita Kume há cinco anos.
A empresa é mantida pela mesma família do ministério evangélico “Livres”, criado em 2006 com o objetivo de apoiar financeiramente um projeto de combate ao tráfico e escravidão sexual infantil no Nepal, conforme informações em seu site. A grife também apoiava financeiramente um abrigo do mesmo grupo para crianças e jovens carentes. Depois que o resgate foi noticiado pela Repórter Brasil, as referências ao grupo evangélico foram removidas da página da Talita Kume na internet, mas podem ser conferidas através de uma versão de arquivo do site mantida pelo projeto “Wayback Machine”.
De maneira inédita, essa atualização da “lista suja” inclui um caso de trabalho escravo no setor têxtil fora de São Paulo. A Mod Griff, nome fantasia da Dilma Figueiredo da Silva ME, foi autuada em março deste ano pelo resgate de sete trabalhadores em uma oficina de costura terceirizada no município de Toritama, no interior de Pernambuco.
Construção civil
Pelo resgate de 46 trabalhadores nas obras de um conjunto habitacional em Bofete, interior de São Paulo, a Construtora Croma é uma das três empresas do setor da construção civil a entrar na “lista suja” do trabalho escravo na nova atualização. O caso aconteceu no início de 2012 e a construtora havia sido contratada pela estatal Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), responsável por executar programas habitacionais no Estado para famílias que ganham até dez salários mínimos. De acordo com a fiscalização, as vítimas ficaram sem receber salários por dois meses, sofriam com jornadas exaustivas de trabalho e estavam alojadas em casa superlotadas.
Em outro caso que está sendo incluído na “lista suja”, uma fiscalização em obras do hotel de luxo Santa Rita, na capital fluminense, resgatou seis trabalhadores contratados pela empreiteira Alcap em março deste ano. Na época, o auditor fiscal Cláudio Secchin, que acompanhou a operação, disse à Repórter Brasil que “o alojamento era um cortiço sem possibilidade de habitação e oferecia riscos aos trabalhadores. Pelo chão, havia sujeira, ratos, e a comida guarnecida estava apodrecendo”.
Redes de descanso
Três dos empregadores que estão entrando na “lista suja” foram flagrados em dois municípios do Rio de Janeiro superexplorando trabalhadores aliciados no interior da Paraíba para a venda de redes de descanso. Kevio Armenio Monteiro Silva e Manuel Gomes Xavier foram flagrados em setembro de 2006 no bairro de Bangu, na capital. Juntamente com Norlandio Souza Azevedo, eles mantiveram 44 trabalhadores em alojamentos precários e presos a um esquema de servidão por dívida, obrigando-os a pagar pelas viagens à Paraíba. A atualização da “lista suja”, no entanto, inclui na relação somente Kevio e Manuel, apontados como responsáveis por 26 das vítimas.
Já em novembro de 2007, 49 trabalhadores foram resgatados em Pacarambi em condições semelhantes aos de Bangu. Eles viajaram os mais de 2 mil quilômetros que separam Pombal, na Paraíba, do município fluminense dentro de caminhões baú com fundo falso para driblar a fiscalização rodoviária. Manoel Trigueiro dos Santos Filho, que está entrando na “lista suja” por conta do caso, responde por 11 das vítimas. Outro empregador apontado como responsável é José Gomes dos Santos Neto, que consta do cadastro do MTE desde dezembro de 2011. Além deles, estavam envolvidos no crime Adriano Almeida de Souza e Agnaldo José da Nóbrega, mas os dois não foram incluídos na mais recente atualização da “lista suja”.
Confira aqui a “lista suja” completa.
Fonte: Revista Proteção