Fundacentro aborda sofrimento e prazer no trabalho

Fundacentro aborda sofrimento e prazer no trabalho

Data: 28 de novembro

Francisco* trabalhava na produção de alumínio no Pará. Era o típico funcionário que “vestia a camisa da empresa”, no jargão organizacional. Trabalhava até mesmo nas folgas, quando era chamado para resolver problemas, que levavam o dia todo para serem solucionados. O resultado de tanta dedicação foi uma sobrecarga de trabalho cada vez maior. Ele adoeceu fisicamente e também psiquicamente. Afastado do trabalho, recebe auxílio-doença do INSS. Com depressão, é difícil lidar com a situação em que se encontra. Da empresa, não sobrou sequer o reconhecimento.

O trabalhador foi um dos entrevistados da pesquisa de doutorado realizada pela pesquisadora da Fundacentro, Laura Nogueira: “O Sofrimento Negado – Trabalho, Saúde/Doença, Prazer e Sofrimento dos Trabalhadores do Alumínio do Pará-Brasil”. A pesquisadora apresentou alguns resultados da pesquisa no Seminário Saúde Mental e Trabalho, no dia 26 de novembro, em São Paulo.

O evento, realizado na Fundacentro, foi organizado pelo Programa de Pós-Graduação “Trabalho, Saúde e Ambiente” da instituição. Laura Nogueira, que é responsável pela disciplina saúde mental e trabalho, coordenou o seminário.

Em sua pesquisa, ela entrevistou 44 pessoas, entre trabalhadores, ex-trabalhadores diretos e terceirizados, familiares, sindicalistas, representantes de associação de trabalhadores, gestores e técnicos da empresa estudada.

Na conferência “Os samurais do alumínio: prazer-sofrimento, saúde-doença de trabalhadores no Pará”, a pesquisadora destacou que há uma sobrecarga de trabalho aliada ao aumento da pressão por produtividade. Com a intensificação do trabalho visando à produção, regras e normas de segurança são colocadas em segundo plano.

A empresa demanda um trabalhador polivalente e busca o comprometimento de todos. Isso ocorre em reuniões gerenciais, Comitê de Segurança, Círculo de Controle de Qualidade, Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), Sipats (Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho), Diálogos Diários de Segurança e Programa Risco Zero. Também possui diversas certificações, como a OHSAS 18001 – Gestão de Segurança e Saúde Ocupacional.

Há um discurso em prol da qualidade e a cooptação da subjetividade do trabalhador. A falta de uma cultura de segurança é relacionada pelos gestores a uma falta de tradição industrial da região. Quando o acidente acontece, o trabalhador é culpabilizado. Os acidentes mais comuns são os causados por respingos de metal, queimaduras, quedas, prensagem de mão, atropelamento.

A metodologia utilizada no estudo foi a pesquisa qualitativa em saúde pautada em Cecília Minayo. Já como referencial teórico, Laura Nogueira utilizou a Psicodinâmica do Trabalho. Assim, a partir das entrevistas, analisou o sofrimento e prazer dos trabalhadores, além das defesas coletivas construídas por eles.

O sofrimento abrange questões como medo, estresse e falta de reconhecimento. “Um trabalhador me disse que se sente como uma nota de 30 reais, não existe. é a expressão do sofrimento puro”, avalia a pesquisadora da Fundacentro. No caso dos terceirizados, a situação é de abandono total.

Os trabalhadores tiveram dificuldade em expressar situações prazerosas no trabalho. Eles apontaram questões como a satisfação pelo trabalho cumprido, feito corretamente. Já como defesas coletivas, Laura Nogueira apontou a negação do risco e a virilidade, quando o trabalhador acredita que o acidente não vai acontecer com ele e que consegue resolver qualquer situação. Outra defesa foi a idealização, de que o cumprimento de regras resguardam o trabalhador.

A Fundacentro/PA se tornou uma referência para os trabalhadores do setor do alumínio na região. Os resultados da pesquisa de Laura Nogueira também motivaram a criação de uma comissão, que surgiu a partir de um seminário para apresentar os dados a diferentes atores sociais. Além da Fundacentro, participam Ministério Público do Trabalho – MPT, Advocacia Geral da União – AGU, Ministério Público Federal, Defensoria Pública do Estado e Trabalhadores.

*Nome fictício para preservar a identidade do trabalhador

Psicodinâmica do Trabalho

A psicodinâmica do trabalho, desenvolvida pelo psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours, também foi tema de uma conferência específica no Seminário Saúde Mental e Trabalho. A expositora foi a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP, Selma Lancman.

“Dejours discute como o trabalho é importante para a constituição psíquica das pessoas. O trabalho é especial para a constituição da saúde das pessoas, especialmente a saúde mental”, explica a professora da USP. Sujeito e corpo são dissociáveis, e há diferentes inteligências para realizar o mesmo trabalho.

O psiquiatra francês se apoia na teoria do sujeito da psicanálise e na teoria de análise que traz da ergonomia, como os conceitos de trabalho real e trabalho prescrito. Os ajustes e adaptações que o trabalhador faz ao prescrito permite que o trabalho real aconteça. “Ao me confrontar com o trabalho, tenho que atualizar os meus conceitos e valores para poder trabalhar. Nesse confronto me identifico e me diferencio, reafirmo a minha identidade”, completa Selma.

Esse confronto identitário é sempre gerador de sofrimento, o qual pode ser transformado em prazer ou se tornar sofrimento patogênico. O reconhecimento é essencial para o prazer no trabalho e fundamental para a construção identitária.

Se a pessoa vive uma condição de trabalho em que não é minimamente reconhecida, esse sentimento se propaga para outras áreas. “O sentimento de não reconhecimento se estende para o tempo do não trabalho, para as outras coisas da minha vida. O tempo do trabalho e do não trabalho é um contínuo que não se separa”, explica a professora da USP.

O reconhecimento no trabalho pode se dar por meio do julgamento de utilidade, quando níveis hierárquicos superiores ou os clientes apontam a utilidade da contribuição técnica, social e econômica. Já o julgamento de beleza (estético) é feito por quem conhece o trabalho, pelos pares.

O problema é que nos ambientes do trabalho tem acontecido um isolamento, no qual os trabalhadores não conseguem conversar. Não se cria um ambiente de cooperação. O clima de competição é acirrado pela avaliação individual de desempenho. Mesmo quando se avalia uma equipe, isso é feito de forma comparativa. Cada membro é avaliador do colega, e uma equipe compete com a outra.

é preciso romper com o isolamento e a solidão, porque o trabalho só existe em relação ao outro e para ser realizado é preciso um grau de confiança entre as pessoas. Há necessidade de se recuperar as relações deterioradas de confiança nesses tempos de individualismo exacerbado. A reconstrução do sentido do trabalho também pode ajudar a transformar o sofrimento em prazer.

As estratégias defensivas são outro conceito criado pela Psicodinâmica do Trabalho. Elas preservam a saúde mental, têm a legitimidade do grupo e surgem do confronto entre o indivíduo e o trabalho. Por meio delas, é possível entender por que as pessoas conseguem realizar o trabalho e parte não adoece apesar das condições estabelecidas.

A banalização do risco, por exemplo, é uma estratégia defensiva. Para aguentar subir no andaime, que é perigoso, o trabalhador banaliza o risco e acredita o acidente não vai acontecer que com ele. Por isso, muitos têm resistência quando ouvem falar sobre segurança no trabalho, que é aceitar a existência do risco.

A virilidade é outra estratégia, nela o trabalhador assume uma posição rígida para dar conta de uma situação difícil do trabalho. Pode ser o caso de mulheres que assumem certo autoritarismo para dar conta do trabalho ou de agentes de trânsito que precisam se masculinizar com uniforme, jeito de prender o cabelo e passam a ser chamadas pelo sobrenome.

Cuidadoras

O prazer e sofrimento também foram abordados na conferência da pesquisadora da Fundacentro, Myrian Matsuo, mas a partir de uma abordagem sociológica. A pesquisadora apresentou um estudo internacional sobre o trabalho de cuidadoras de idosos de instituições de longa permanência no Brasil, França e Japão. Foram entrevistadas 86 trabalhadoras brasileiras, 85 japonesas e 95 francesas.

A pesquisa foi coordenada por Helena Hirata, pesquisadora do Centro de Pesquisas Sociológicas e Políticas de Paris – CRESPPA- GTM (Equipe Gênero, Trabalho, Mobilidades). “Utilizamos o método da pesquisa qualitativa, a etnometodologia. Fizemos entrevistas de longa duração para verificar a trajetória profissional e de vida dessas trabalhadoras. Esse estudo de care está dentro de uma perspectiva de gênero”, explica Myrian Matsuo.

As pesquisadoras buscaram levantar os aspectos subjetivos do trabalho, o prazer e sofrimento, dentro das perspectivas das entrevistadas, e as condições de organização do trabalho vivenciadas. No Brasil, constatou-se o ritmo intenso, mobiliários inadequados, alta rotatividade e equipes com defasagem no número de trabalhadoras. Há sobrecarga física e emocional.

Em relação ao prazer no trabalho, as cuidadoras apontaram a criação do vínculo afetivo entre idosos e cuidadoras; momentos em que os idosos demonstram se sentir bem e grato; além do fato de se sentirem úteis e reconhecidas pelos idosos.

Já sobre o sofrimento, poucas falaram das condições precárias do trabalho. Relataram o sofrimento gerado pela possibilidade de perda do idoso, tanto a morte como quando adoecem, estão fracos ou não se alimentam. Elas sofrem de angústia da morte constante, mas de forma velada, não podem falar do assunto. Na realidade francesa ainda há a tentativa de suicídio entre os idosos.

O uso de diminutivo, a infantilização do idoso e considerá-lo parte da família dão sentido ao trabalho, mas, por outro lado, podem levar à perda da perspectiva da profissão. O cuidado não é visto como trabalho e é percebido como uma atribuição da mulher. Foram constatados problemas de saúde como desgaste mental, estresse e depressão.

Também houve relatos de violência física e agressão verbal, assédio moral e discriminação racial. A questão da sexualidade também apareceu, por exemplo, com a ocorrência de ereção e até tentativa de estupro.

Mais detalhes sobre a pesquisa podem ser vistos na matéria Fundacentro estuda trabalho de cuidadoras de idosos.

Assédio Moral

A violência no trabalho foi tema da conferência proferida pelo professor da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Roberto Heloani. O pesquisador destacou que a questão do assédio moral não deve ser individualizada, pois suas raízes estão no trabalho e no coletivo.

“Todo assédio é organizacional. Pode haver o sujeito neurótico, com transtorno psicopático. Mas por que ele está naquele lugar? Por que você coloca em um lugar de mando um sujeito com essas características? Se delego poder ao sujeito, sou responsável por dar poder a ele”, afirma Heloani.

O assédio moral não acontece somente em locais com gestões precárias, mas também nos considerados como melhores. Na organização pública, ele dura mais tempo, por causa da estabilidade no trabalho.

Nas empresas, há casos em que o assediador é visto como útil. Ele pode dedurar ou ser uma espécie de “xerife” para colocar a ordem. Nos processos de seleção, opta-se pelos mais agressivos e com menos senso ético. “A organização é que vai dar o campo para que essa dinâmica floresça ou não. é um perfil que vai se adequar a um perfil organizacional”, avalia Roberto Heloani.

Para o pesquisador, o assédio se intensificou. Mas não é um simples conflito. “Conflito tem em todo lugar que tem gente. O assédio nasce de um coletivo. Se for eventual, não é assédio, mas pode ser injúria, difamação, e tem que responder judicialmente”, explica o professor da Unicamp.

Heloani ainda apresentou o conceito de assédio moral, retirado de livro – Assédio Moral no Trabalho – escrito por ele, Margarida Barreto e Maria Ester de Freitas: “Conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e visa diminuir, vexar, humilhar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou grupo, degradando suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional”.

O professor relatou alguns casos de assédio moral como o de uma médica que foi assediada moralmente após ter sofrido assédio sexual ou de um desembargador assediado por se recusar a entrar em um esquema de corrupção. Em outro caso, cinco trabalhadores, entre eles uma mulher, introduziram uma mangueira em outro trabalhador. Na mesma organização, ocorreu um caso de racismo explícito.

“Ainda hoje mulheres são mais assediadas do que homens, mulheres negras mais do que brancas, homossexuais mais do que heterossexuais”, relata Heloani.

Quando uma pessoa é vítima de assédio moral, ela deve buscar não ficar sozinha, não se isolar. O problema é que a tendência das pessoas é isolar o assediado. A competição também leva ao assédio moral horizontal. Há casos em que começa vertical e depois se horizontaliza. é possível encontrar mais informações sobre o tema no site assédio moral no trabalho.

Fonte: Fundacentro

Por |2013-11-29T18:41:51-02:0029 de novembro de 2013|Notícias|