Data: 2 de outubro
Acidentes no local de trabalho vitimaram 8.179 crianças e adolescentes de 10 a 17 anos no estado de São Paulo entre 2006 e 2013. Do total de ocorrências, 28 levaram a óbitos e três a transtornos mentais, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde. São Paulo é o estado que apresenta o maior número de acidentes notificados com menores de 18 anos. Dentre as atividades que causaram os acidentes em situação de trabalho infantil estão o comércio de alimentos e a fabricação de calçados.
A coordenadora estadual da Saúde do Trabalhador, Simone dos Santos, da Secretaria Estadual de Saúde, afirma que os municípios que apresentaram maior número de notificações foram São Paulo, Franca e São José do Rio Preto. “Após a ocorrência dos acidentes em trabalho, são estabelecidas ações para a retirada da criança em situação irregular, encaminhamentos intra-SUS, dependendo do quadro de saúde apresentado, e encaminhamento à rede de garantia de direitos”.
Os casos de acidentes em ambientes de trabalho infantil provêm, em maioria, das situações em que são concedidas autorizações judiciais para que crianças e jovens possam trabalhar antes dos 16 anos. O tema foi discutido na tarde de segunda-feira (30/9) no Fórum Paulista para a Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. O espaço de discussões completa 14 anos neste mês e foi implementado pela Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 1999.
Mesmo com as ações de erradicação do trabalho infantil, 8,3% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos exerciam atividade laboral em 2012. Os dados foram constatados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada pelo IBGE e divulgada na sexta-feira (27/9). O número apresentou uma redução de 4,2% em relação a 2011. Ainda assim, 3,5 milhões de jovens ainda estão em situação de trabalho irregular.
O artigo 7 da Constituição Federal de 1988 regula a condição de trabalho para crianças e jovens. O inciso 33 estabelece que é vedado qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Além disso, proíbe trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos.
Ainda assim, diversos juízes concedem autorização para que menores de 16 anos possam trabalhar sem obedecer à condição de aprendiz. Os grandes centros de chancela dessa prática no estado de São Paulo são as varas de Fernandópolis e Franca, segundo o MPT. Para o coordenador geral do Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, Rafael Dias Marques, procurador do Ministério Público do Trabalho paulista, “quando se fala em autorizações judiciais, não estamos falando de uma omissão do estado brasileiro. é o estado brasileiro que está apoiando o trabalho infantil”.
As principais justificativas para autorizar o emprego de jovens são as que endossam o caráter social do trabalho. Apresentado como elemento dignificador, ele é usado como saída para as crianças que vêm de famílias em situações financeiras precárias. “O mito que diz que o trabalho é bom para criança pobre só reproduz o círculo de miséria em que ela vive. Há a transferência de responsabilidade. Não é a criança ou o adolescente que precisa suprir as necessidades da sua família, mas o estado e a comunidade”, argumenta o coordenador.
Para que a criança e o jovem sejam considerados aprendizes e possam trabalhar, eles devem estar vinculados a alguma instituição de aprendizagem, seja técnica ou acadêmica. “Muitos juízes concedem alvará se a criança estiver só trabalhando, sendo que ela precisa estar matriculada em um curso. Essa prática demonstra o desconhecimento da justiça estadual sobre o contrato de aprendizagem”, reforça a auditora-fiscal do trabalho Carolina Vanderlei de Almeida.
A auditora esclarece que o Ministério do Trabalho passou a notar a existência de menores de 16 anos declarados como trabalhadores – sem estarem na condição de aprendiz – na Rais (Relação Anual de Informações Sociais). O sistema garante o controle federal sobre as relações trabalhistas e as estatísticas anuais do trabalho no Brasil. A partir disso, ele passou a investigar as empresas que declararam que esses menores possuíam alvará judicial para exercer a função.
Regulação
A situação do trabalho infantil é regulada por leis nacionais e internacionais, que consideram criança ou jovem todo indivíduo menor de 18 anos. A Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, criada como Carta Magna em 1989, e ratificada como lei internacional no ano seguinte, determina, no artigo 24, que “Os Estados-Partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudiciais à saúde da criança”. Para Marques, “o dano à saúde é o mais visível argumento contra o trabalho infantil, sendo que as crianças são indivíduos em processo de formação”.
Além disso, dois outros documentos internacionais normatizam a questão do trabalho infantil. A Convenção sobre a Idade Mínima da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – elaborada em 1973 – estabelece que os signatários comprometem-se a “seguir uma política nacional que assegure a abolição efetiva do trabalho de crianças e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão ao emprego ou ao trabalho a um nível que torne possível aos menores o seu desenvolvimento físico e mental mais completo”. A Convenção 182 da OIT surge em 1999 para reforçar a deliberação da primeira norma e versa sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e sobre as ações imediatas para a eliminação dessa prática.
No Brasil, a própria Constituição Federal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) versam sobre o tema. O ECA possibilita o trabalho aos maiores de 14 anos, na condição de aprendiz com formação técnico-profissional, e assegura que o adolescente empregado possua direitos trabalhistas e previdenciários. “Se a criança e o jovem não podem trabalhar, eles podem ter acesso à cultura, à educação, à profissionalização, à saúde, como disposto no artigo 227 da Constituição”, afirma o coordenador.
O artigo 227 ainda protege os menores de 18 anos integralmente contra qualquer forma de exploração. “O alvará judicial é o atestado de violação dos direitos básicos da criança e do adolescente. No trabalho, o menor é explorado economicamente, porque é mão de obra barata e obediente”, reforça. Segundo o promotor, alguns tribunais de justiça estaduais proibiram a concessão dos alvarás. Caso o juiz desrespeite a proibição, estão previstas punições administrativas.
Fonte: UOL