Evento discute educação, trabalho decente e cultura nas comunidades

Evento discute educação, trabalho decente e cultura nas comunidades

Data: 16 de agosto

Educação, trabalho decente e cultura foram os eixos das discussões do VII Seminário de Educação Diferenciada e Etnoconhecimento e I Encontro Internacional de Saúde, Segurança e Meio Ambiente do Trabalho nas Comunidades Tradicionais. O evento, realizado pela Fundacentro e Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), na capital carioca em 14 e 15 de agosto, reuniu indígenas, quilombolas, estudantes, professores e pesquisadores.

Para a presidenta da Fundacentro, Maria Amelia de Souza Reis, o evento marca o início de uma ação com o apoio efetivo do Ministério do Trabalho e Emprego. Também teve a finalidade de revitalizar a coordenação rural da Fundacentro. Já o vice-reitor da Unirio, José da Costa, ressaltou o trabalho de mobilização e organização realizado junto às comunidades. “O etnoconhecimento para o etnoreconhecimento diz respeito a toda sociedade brasileira”, disse o vice-reitor.

A professora Maria Amelia destacou que é muito importante incluir as questões de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) nas comunidades rurais, tradicionais e artesanais. “Temos que criar uma frente contra a opressão de todas as comunidades tradicionais e de todos aqueles que aprendem com essa população”, completou Paul Singer, secretário Nacional de Economia Solidária.

Economia solidária

Na conferência de abertura, Paul Singer, abordou “a economia solidária como forma de preservação cultural e trabalho decente”. “A economia solidária foi desenvolvida por todas as comunidades tradicionais do mundo”, afirmou Singer. O professor destacou que solidariedade significa ajuda mútua, respeito pelo outro.

No entanto, a sociedade capitalista estimula a competitividade e cria seres amedrontados, que não confiam no outro. “Nós lutamos contra isso. Lutamos para que as pessoas possam ser felizes, e a felicidade é coletiva. Ninguém consegue ser feliz sozinho”, avaliou o professor.

“Estamos construindo outro Brasil nas brechas que o capitalismo deixa”. Paul Singer citou casos de suicídios econômicos na Grécia, em que as pessoas se matam após perderem o emprego e a casa em que moram. No cenário de crise, o país tem demonstrado interesse em desenvolver a economia solidária. O tema também foi abordado por ele recentemente no Equador, em Portugal e na Suiça. “A economia solidária está revolucionando a economia”, afirmou.

Para o professor, a cooperação é inerente aos seres humanos. “Se não soubermos valorizar o que as comunidades tradicionais têm a oferecer, será uma perda. Temos que aprender a viver em comunidade para sermos felizes”. é preciso combinar essa forma de relacionamento mútuo com tecnologias modernas.

A experiência dos seringueiros na Amazônia, que usavam as próprias árvores como proteção contra o calor, foi relatada durante a conferência. Paul Singer também descreveu o trabalho de uma cooperativa de materiais recicláveis de Novo Hamburgo, criada por um grupo de metalúrgicos que perdeu o emprego, modelo de economia solidária.

O etnodesenvolvimento foi outra temática abordada. “O etnodesenvolvimento é superar os preconceitos raciais e de gênero, em que todos se reconheçam como iguais em direito por serem humanos”, concluiu Paul Singer.

Trabalho artesanal

O painel “O trabalho artesanal nas comunidades tradicionais: dificuldades e perspectivas” contou com a participação do cacique Darci Tupã, Clovis Meirelles e Lincoln Colucci, da Fundacentro, e Celia Domingues, da Cidade do Samba. O cacique Darci Tupã falou sobre a necessidade de ter uma área adequada para a Aldeia de Semente Tupi Guarani, que se localiza em Maricá/RJ. A criação de peixes e a atividade agrícola para alimentar a comunidade fazem parte da rotina de trabalho deles. “A cultura indígena e quilombola precisam ser valorizadas”, afirmou Tupã. Ele ainda pediu apoio para a nação indígena.

Clovis Meirelles, engenheiro agrônomo e de segurança da Fundacentro, destacou que a agricultura familiar emprega 80% da mão de obra do setor, mas detém apenas 25% das áreas agriculturáveis. Já os dados de acidentes do trabalho na agricultura não correspondem à realidade. “A agricultura familiar é que coloca na mesa o que comemos”, disse Meirelles.

O pesquisador ressaltou que esses trabalhadores não têm proteção do Estado. Entre as partes do corpo mais atingidas por acidentes, estão as mãos. Outro problema, que traz consequências para a saúde do trabalhador rural, é o uso de agrotóxicos.

A Fundacentro realizou um levantamento sobre as condições de segurança e saúde na agricultura familiar na Bahia. Agora esse trabalho é realizado no Sergipe. “Temos que trabalhar com a capilaridade do Estado”, explica Meirelles. Assim a instituição trabalha com entidades parceiras, que são preparadas para atuar nas questões de Segurança e Saúde no Trabalho.

Já o coordenador do Programa Acquaforum (Segurança, Saúde e Meio Ambiente do Trabalho na Atividade de Pesca e Mergulho Profissionais) no Estado do Rio de Janeiro, da Fundacentro, Lincoln Colucci, falou sobre as carências em saúde e educação enfrentadas pelas comunidades pesqueiras. A Fundacentro costuma dar cursos nessas comunidades, abordando questões de segurança e saúde, e os pescadores participam ativamente.

Lincoln também apresentou um perfil do trabalhador na pesca artesanal, realizado em Búzios/RJ, onde a maioria dos trabalhadores da pesca não tinha informações sobre SST nem direitos previdenciários e trabalhistas. Celia Domingues, coordenadora de Projetos de Qualificação da Cidade do Samba e presidente da Amebras (Associação de Mulheres Empreendedoras do Brasil), expôs o projeto Carnaval e Cidadania, que oferece cursos gratuitos na Cidade do Samba e nas quadras das escolas de samba. As mulheres correspondem a 58% das pessoas atendidas. Também falou sobre a parceria que será fechada com a Fundacentro, para levar condições ergonômicas adequadas ao trabalho de costura nesse segmento.

Trabalho decente

O painel “Territórios, Culturas, Associativismo e Trabalho Decente” teve a participação de Marize Vieira, da Aldeia Tamoio, Renata Viaro e Maria do Rosário Sampaio, ambas da Fundacentro. A analista de ciência e tecnologia da Fundacentro, Renata Viaro, destacou que o trabalho infantil, o trabalho escravo, a discriminação de gênero e racial são antíteses do trabalho decente. As mulheres negras e que trabalham no campo são as que têm condições mais desfavoráveis de trabalho.

Maria do Rosário Sampaio, tecnologista da Fundacentro, apresentou a situação das mulheres trabalhadoras do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, local que conta com a maior concentração de índios e negros do estado. Ela realizou uma pesquisa social qualitativa e participante com mulheres de Capelinha.

“Trabalhamos com mulheres invisíveis. A história oficial não permite que elas contem a própria vida. Fizemos mudanças juntas, e elas chamam trabalho decente de trabalho de gente”, relatou Maria do Rosário. Essas mulheres fazem artesanato, são produtoras de agricultura familiar e construíram uma padaria comunitária.

Já Marize Vieira, da Aldeia Tamoio, ressaltou que a comunidade indígena vive basicamente da terra, que precisa ser demarcada. Outro apontamento foi de que a população indígena também sofre com invisibilidade e que faltam pesquisas que olhem para eles.

Educação

O terceiro painel do dia retratou o tema: “A educação diferenciada e Intercultural como proposta de superação da educação antipopular”. Luciano Oliveira e Nathalia Romeiro, estudantes da Unirio, Marcos Vinicius, coordenador do Centro de Referência de Assistência Social de Quatis, e Patrícia Nascimento, diretora da escola do quilombo Santana, de Quatis/RJ. Luciano Oliveira, que também é colaborador da Fundacentro, contou que há 29 comunidades quilombolas no Rio de Janeiro. Pela universidade, ele tem atuado no quilombo Santana. “Lutamos pela autonomia da comunidade no sentido político e social”. A mobilização se dá para garantia de direitos, implantação do desenvolvimento sustentável, preservação de costumes e cultura e combate à discriminação racial.

Nathalia Romeiro, que também é estagiária da Fundacentro, explicou que no quilombo Santana há baixa escolaridade, e a maioria dos trabalhadores não tem carteira assinada. Também fez uma relação entre a educação, a indentidade, o trabalho e a interculturalidade. “Pela educação, podemos mudar a comunidade, que para ficar viva, precisa preservar a identidade.

Sem o trabalho, não tem como a comunidade sobreviver, e a interculturalidade possibilita o encontro entre todas as culturas, tradicionais ou não”, finalizou.

Marcos Vinicius, por sua vez, falou sobre as ações de assistência social no quilombo Santana. Já Patrícia Nascimento relatou o processo educativo desenvolvido na escola do quilombo, que tem 37 alunos no ensino fundamental.

Há uma parceria entre escola, universidade e comunidade. São desenvolvidas atividades como dramatização, construção de maquetes, horta comunitária. “O desafio da escola é promover uma educação emancipatória. é isso que fazemos diariamente”, concluiu Patrícia Nascimento.

Etnoconhecimento e etnoreconhecimento

O segundo dia do evento contou com a sessão conjunta com o Conselho Internacional de Museus Africanos – Africom, chamada Seminário Etnoconhecimento para um etnoreconhecimento.

Na ocasião, foram relatadas tanto experiências internacionais como a nacional, com debate sobre as comunidades quilombolas e indígenas. Uma das questões levantadas pelos índios é que eles não se reconhecem nos museus.

A diretora executiva Rudo Sithole, do Quênia, realizou a palestra “O trabalho como patrimônio cultural: importância do trabalho feminino no continente africano e sua ressonância nos museus africanos”. Ela explicou que o trabalho das mulheres é transmitido ao longo da história através das tradições orais.

O trabalho feminino é marcado pela atividade no campo, o cuidar dos filhos e da casa. As mulheres também têm um papel na luta pela emancipação dos países africanos. “Na agricultura, as mulheres têm papel fundamental, e são a coluna vertebral das famílias. Embora a mulher tenha um papel significativo no trabalho e na família, elas não têm poder de decisão”, concluiu Rudo Sithole.

Já o professor doutor Ossama Abdel Meguid, membro do Conselho Executivo do Conselho Internacional de Museus – ICOM, Egito, falou sobre “Trabalho e conhecimento tradicional como patrimônio: a experiência do Egito”.

Fonte: Fundacentro

Por |2013-08-19T10:32:02-03:0019 de agosto de 2013|Notícias|