Sono, saúde, profissão e fadiga

Sono, saúde, profissão e fadiga

Data: 25 de dezembro

O ser humano dorme, em média, 1/3 de sua vida, preferencialmente no ciclo escuro da Terra (noite). A maneira como ele dorme e o tempo gasto determinam quem ele é. Segundo o neurologista Paulo Cesar Ragazzo, do Departamento de Medicina do Sono do Instituto de Neurologia de Goiânia, os seres vivos são criaturas de um planeta com dois ciclos de tempo antagônicos: um claro e outro escuro, determinados pelo movimento de rotação da Terra, e que criam alternâncias de aproximadamente 12 horas de luz e 12 horas de escuridão.

Originalmente um animal caçador, de hábitos diurnos, o homem enxerga muito mal no escuro, e é um candidato natural, à noite, mais para caça do que para caçador. Todo o seu cérebro (como, aliás, da maioria dos animais) responde de forma diferenciada ao dia e à noite. O grande marcador de tempo para o cérebro dos animais é a luminosidade intensa da luz solar. Ela estimula células sensíveis na retina humana, que modificam a excitabilidade de um pequeno grupo de células (alguns milhares) no cérebro, e determinam mudanças dramáticas na secreção de alguns neurotransmissores e hormônios. A luminosidade intensa determina o aumento da secreção de cortisol, e a baixa luminosidade do entardecer determina o início da secreção de melatonina. O ciclo de temperatura do corpo humano segue um ritmo próximo daquele do cortisol (que permite atividade muscular intensa), e que corresponde aproximadamente ao ciclo das 24 horas (circadiano), com temperaturas mais elevadas durante o dia de atividade, e mais baixas durante o sono da madrugada.
Assim, o sono cumpre um papel fundamental no controle da homeostase (equilíbrio) do organismo. O sono também tem outras funções fisiologicamente importantes, como a consolidação da memória dos eventos e fatos aprendidos durante o dia.
As 7 ou 8 horas de sono da maioria dos seres humanos representam um comportamento ativo do cérebro, que mantém atividades complexas e metabolismo quase tão intenso quanto em vigília (acordado).
Segundo Ragazzo, os horários típicos da atividade humana constituem um importante sincronizador artificial do ciclo vigília/sono do ser humano. O homem, animal social, tem sua vida regulada, portanto, por duas classes de “doadores de tempo”: um natural e outro cultural: luz solar e vida social, respectivamente. Harmonizar estes dois reguladores do tempo do homem, sincronizando adequadamente seu ciclo biológico e suas atividades sociais é a pista para resolver a equação do trabalho e da qualidade de vida.
No entanto, a evolução da sociedade e a criação de necessidades não naturais reconfiguraram o uso do tempo pelo homem, adaptando-o às exigências da cultura do trabalho. Os horários estendidos de trabalho por mais de 12 horas consecutivas, e o trabalho de turno (que representa entre 15 e 20% da força de trabalho nas sociedades industriais) rompem o ciclo natural de equilíbrio entre vigília e sono, atividade e repouso.
O trabalho em turno existe desde que a sociedade não pode prescindir da atividade continuada de alguns profissionais (bombeiros, policiais, pessoal de saúde, controladores de voo, entre outros). Para eles, a privação parcial de sono e a fadiga física são significativas e cumulativas. Mesmo após longos períodos de adaptação, os trabalhadores em turno noturno continuam a apresentar um padrão de sono fragmentado, com menos tempo em sono profundo e múltiplos despertares. Esses trabalhadores cochilam mais e estão, de maneira geral, mais sonolentos durante o trabalho e seu nível geral de alerta é diminuído. Eles apresentam também déficit de memória, desempenho intelectual e motor comprometido, e mau humor e irritabilidade frequentes. Talvez o mais conhecido entre os problemas do excesso de horas contínuas de trabalho seja o caso dos motoristas profissionais de transporte pesado.
Estudos conduzidos nas estradas de todo o mundo confirmam que um número significativo de condutores dirige por muitas horas seguidas, não seguem um programa específico de intervalo entre trabalho e repouso, não utilizam técnicas apropriadas de proteção contra sonolência excessiva e não estão preparados para prever e detectar sinais precoces de fadiga física e mental.
Em nosso País, tal situação é complicada pela necessidade econômica de longas horas de trabalho contínuo para viabilizar o custo operacional, e pela falta de proteção e suporte para o descanso dos motoristas, além do reduzido estado de conservação de muitas das rodovias nacionais. Os estudos mostram que uma ampla porcentagem de motoristas profissionais confessa apresentar vários episódios de sonolência ao volante, e, em vários países, entre 15 e 26% dos motoristas estão em risco aumentado para sonolência excessiva durante o trabalho, por apresentar sintomas da síndrome da apneia do sono, insônia persistente, e outros transtornos do sono.
Um fator pouco mencionado e valorizado na determinação de má qualidade de sono é a presença de ruído intenso nas cidades. Estudos de sono realizados nas casas de pessoas que moram junto a aeroportos e rodovias, e que se dizem adaptadas ao barulho intenso, mostram que, embora dormindo, seu sono é intensamente fragmentado e sua frequência cardíaca muito elevada, desencadeados pelo ruído intenso de turbinas ou veículos.
Nos departamentos de Medicina do Sono, estudam-se maneiras de minimizar os efeitos dos horários de turno no desempenho dos trabalhadores, para que o risco de acidentes seja reduzido. Pilotos, controladores de voo, motoristas e operadores de máquinas são estudados, e escalas de trabalho apropriadas são discutidas e postas em prática. Técnicas de previsão e bloqueio de sonolência excessiva e fadiga são implementadas nas fábricas e nas companhias de transporte.
Os programas de proteção aos trabalhadores sob risco são ainda incipientes, porque até o momento significam mais custo para o trabalho, sem que segurança e qualidade de vida tenham valor correspondente. Empresários com visão integrativa e consciência social começam a tomar contato com a fantástica possibilidade de prevenção de acidentes por treinamento e monitorização dos trabalhadores em atividade. “Imagino que dentro de alguns anos teremos, em todas as universidades, departamentos de Medicina do Sono, integrados às áreas de Medicina do Trabalho e Medicina de Trânsito, tal é sua importância”, finalizou Ragazzo.

Fonte: Diário da Manhã

Por |2012-12-27T10:33:00-02:0027 de dezembro de 2012|Notícias|