Graves violações trabalhistas embasam representação inédita contra a MRV

Graves violações trabalhistas embasam representação inédita contra a MRV

Data: 02/04/2012

Mais seis brasileiros debutaram na lista mundial de endinheirados publicada há algumas semanas pela revista Forbes. Entre eles aparece Rubens Menin Teixeira de Souza, 56 anos, fundador e presidente da construtora mineira MRV, com patrimônio acumulado de US$ 1,8 bilhão.

O novo bilionário foi catapultado pela ascensão vertiginosa da MRV. A construtora saltou de um patamar de 326 mil m²; construídos, em 2006, para avassaladores 6,8 milhões m²; em 2010, de acordo com o ranking da ITCnet que monitora o setor da construção civil. Nos últimos cinco anos, portanto, a empresa multiplicou a área construída em mais de 20 vezes e chegou ao topo absoluto da lista, deixando as concorrentes para trás.

Maior empreiteira a operar o programa federal de habitação Minha Casa Minha Vida, a MRV está presente em aproximadamente 100 municípios de 17 estados brasileiros. Em balanço divulgado no mês passado, a empresa confirmou o aumento de suas vendas em 15% – de R$ 3,7 bilhões, em 2010, para R$ 4,32 bilhões, em 2011. O lucro líquido anual subiu ainda mais: 19,8%, chegando a R$ 760 milhões. A companhia apresenta o maior índice médio de lucro em relação a vendas e as menores porcentagens de custos de construção de imóveis entre todas as outras que atuam no mesmo segmento.

Uma representação inédita entregue pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) revela outra face desse fenômeno. A peça associa o crescimento avassalador da MRV à exploração irregular sistemática de mão de obra nos canteiros e solicita a abertura de um procedimento administrativo para apuração do conjunto de infrações que envolvem a empresa no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Trata-se de pedido inédito de julgamento por prática pretensa de “dumping social” na construção social.

A conduta da MRV, conforme o procurador Rafael de Araújo Gomes, membro da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT que assina o documento, caracteriza-se pela “prática de infração da ordem econômica através da supressão maciça, em larga escala, de direitos trabalhistas, com a consequente obtenção de expressiva redução do custo do trabalho e, portanto, de vantagem arbitrária sobre a concorrência”.

Recebido em 5 de março, o pedido do MPT aguarda parecer prévio da SDE/MJ antes de ser submetido ao Cade. A legislação estipula um período de 60 dias para que averiguações preliminares sejam feitas, mas o procurador Rafael realça que o ineditismo do caso torna menos previsível a fixação de um prazo. Caso venha a ser condenada ao final do processo, no qual se assegura amplo direito de defesa, a construtora MRV poderá ter de pagar uma multa, conforme também prevê a lei, equivalente a 2% a 30% de seu faturamento.

Trabalho escravo

A representação reúne um leque de violações dos direitos trabalhistas – de reiteradas e diversas irregularidades até flagrantes de condições análogas à escravidão, segundo o Art. 149 do Código Penal – em empreendimentos da MRV. São citadas fiscalizações realizadas em diferentes Estados (diferentes cidades do interior de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Espírito Santo) com destaque para casos mais graves, como o da operação, ocorrida no final de 2010, que libertou 63 trabalhadores das obras do condomínio residencial Beach Park, em Americana (SP).

Foram lavrados, ao todo, 44 autos de infração. Os alojamentos, segundo os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), apresentavam péssimas condições de higiene e limpeza. Colchões precários espalhados pelo chão, inclusive na despensa, disputavam espaço na morada indisfarçavelmente superlotada com sala, cozinha e quartos “entupidos” de beliches. A alimentação e a esporádica limpeza ficavam por conta da suposta “dona” da “empresa” subcontratada responsável pelos empregados. Não havia disponibilização de água potável e fresca nem local para armazenar alimentos. As instalações elétricas eram completamente precárias, não havia sequer talheres suficientes e um único chuveiro era dividido por 26 pessoas.

Atraídos pelas promessas de boa remuneração, os trabalhadores oriundos de localidades distantes da Bahia, Alagoas e Maranhão foram surpreendidos com cobranças (transporte e refeições) e pelos mais de 40 dias sem receber nada pelo trabalho que vinha sendo realizado. Desamparados, acabaram desprovidos de recursos mínimos necessários para retornar para o convívio com suas famílias e até para fazer telefonemas. Mal tinham para subsistir. Em janeiro deste ano, a 1ª; Vara do Trabalho de Americana deferiu os pedidos liminares feitos pelo MPT na ação civil pública relativa ao caso.

Vantagem concorrencial

A Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª; Região (PRT-15), que abrange todo o interior paulista e mantém sede em Campinas (SP), havia instaurado, até o início de fevereiro deste ano, 61 procedimentos (17 deles em tramitação) em face da MRV. A maioria absoluta (45) materializou-se a partir de 2007; o pico se deu em 2011, com 19 procedimentos. Além disso, somente no período entre janeiro de 2007 a abril de 2010, houve registro de cerca de 70 autuações dirigidas à empresa no âmbito exclusivo da Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) da mesma cidade.

“Ao mesmo tempo em que os problemas trabalhistas nas obras [da empresa] aumentaram de forma preocupante, quantitativa e qualitativamente, a MRV obteve grande alavancagem, colocando-se à frente das demais [concorrentes], sendo reconhecida de forma unânime pelo mercado por conseguir obter maior controle de custos e maior lucratividade, permitindo exatamente por isso maior retorno aos investidores”, coloca o procurador Rafael.

Na representação, o procurador frisa que “a MRV valeu-se e continua a se valer de tal significativa vantagem abusiva – custos trabalhistas menores que o da concorrência – para alavancar sua posição no mercado, estratégia na qual a empresa vem obtendo extraordinário sucesso, em prejuízo à ordem econômica e financeira”. Ou seja, simultaneamente à “explosão da quantidade de problemas trabalhistas” gerados pela empresa, “vem a MRV obtendo sucesso em converter a economia obtida com custos trabalhistas em uma vantagem competitiva, em detrimento aos trabalhadores e à concorrência”.

Conforme explica o autor da representação, as infrações trabalhistas não conduzem automaticamente, contudo, à infração da ordem econômica com prejuízo à concorrência. “Supor que toda e qualquer empresa que explore trabalho degradante, por exemplo, está a obter vantagem arbitrária em detrimento à concorrência seria um equívoco”, salienta.

A vantagem concorrencial efetiva, prossegue Rafael, é “circunstância pouco usual” e não deve ser de modo algum “pressuposta em abstrato”. Em geral, empregadores que exploram trabalho escravo não “ganham mercado”, pois grande parte não consegue converter o crime em vantagem efetiva e, após o ocorrido, acaba sofrendo sanções prejudiciais dos mais variados tipos. Por isso, a ocorrência de dumping social só pode ser aferida mediante análise detida das “condições de mercado de cada setor econômico”.

De acordo com ele, a importância do custo do trabalho é muito elevada na indústria da construção civil, em geral, e mais especialmente ainda no segmento de moradias populares. Qualquer diferença obtida em termos de redução de custos no que diz respeito à mão de obra repercute muito fortemente nos resultados finais da empresa, argumenta o procurador. “Não fosse o boom do crédito imobiliário, entre outros fatores, é pouco provável que a empresa tivesse conseguido alcançar tanto sucesso em transformar violação trabalhista em vantagem concorrencial arbitrária”, complementa.

Fonte: Repórter Brasil

Por |2012-04-30T09:58:47-03:0030 de abril de 2012|Notícias|